quarta-feira, 30 de março de 2022

Estaremos à beira do xeque-mate da China?

O aumento brutal dos preços dos combustíveis registados nas últimas semanas é sinal de alarme. Os preços dos alimentos e dos restantes bens vão obviamente disparar, por estranho que pareça já há determinados artigos com compra limitada nos supermercados (exemplo do óleo de girassol) e há muitos portugueses a rechear a despensa, eu próprio já o fiz, já tenho leite, atum, grão-de-bico e puré de batata pelo menos até maio. E se é verdade que o aumento dos preços é preocupante, muito mais assustador é pensar numa situação de guerra, onde nem sequer há alimentos disponíveis, ou havendo, estão racionados. Foi assim na segunda guerra mundial, e a avaliar pelos últimos acontecimentos não é de todo descabido pensar que estamos próximos de uma terceira. Disparate dirão alguns… muitos também o diziam há uns tempos quando se falava que estava iminente um ataque da Rússia à Ucrânia.

O que tem sido transmitido pelos órgãos de comunicação social desde o dia 24 de fevereiro é assustador. Ninguém pode ficar indiferente, basta fechar os olhos e pensar o que sentiríamos na mesma posição. E se de uma hora para a outra um louco do país vizinho nos mandasse atacar? E se de um minuto para o outro tivéssemos de deixar tudo aquilo porque lutámos a vida toda? E se de um segundo para o outro só tivéssemos tempo de pegar nos filhos e fugir? Fugir para outro país, fugir sem saber para onde, fugir com a certeza quase absoluta que jamais iriamos voltar? Por mais que se consiga imaginar, estamos longe de sentir aquilo que o povo ucraniano está a passar.

Não é admissível esta invasão, é ilegal e deve ser por todos condenada. Quem está a pagar é o povo, os milhares de civis que têm de abandonar o seu país, os milhares de civis que vão morrer e os milhares de soldados que vão acabar por morrer na defesa do seu território. Tornou-se viral nas redes sociais uma frase de Erich Hartmann, piloto alemão da segunda guerra mundial, que disse: “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.” E é mesmo assim, antes de se tornar um piloto alemão, e poder ser odiado por ter lutado pelo regime nazi, Hartmann era um jovem que foi mandado para a guerra, como nos dias de hoje o são milhares de jovens russos e ucranianos. E chegámos até aqui porquê? Desde o fim da guerra fria que a Rússia perdeu influência no mundo, abriu as suas portas ao investimento ocidental, desmantelou-se o Pacto de Varsóvia e os países vizinhos foram-se juntando à Nato, os EUA foram aos poucos sentindo-se os donos do mundo. Como escreveu há dias Boaventura Sousa Santos, “Quando se mora ao lado de um gigante ressentido, convém não lhe dar pretextos para a agressão.» Ucrânia e Nato deram trunfos à Rússia quando a Ucrânia abandonou o estatuto de neutralidade que se tinha comprometido a manter aquando do reconhecimento da independência por parte de Moscovo. O pedido de adesão à Nato foi talvez a gota que fez transbordar o copo. Obviamente que Putin gostava da independência da Ucrânia se ela tivesse os mesmos moldes da independência da Bielorrússia, independente, mas governada por um dos seus súbditos. As mãos de Putin estão sujas de sangue de inocentes, mas as mãos dos líderes da Nato não estão limpas de todo, especialmente as mãos dos líderes americanos que ousaram pensar que esquecer, ou cercar a Rússia era a solução. E ali ao lado… a China. Há 30 anos a China era insignificante, hoje é uma potência económica, e se ainda não é a primeira não está longe, sendo a que mais cresce anualmente. A China não condenou a invasão da Ucrânia, a China tem vindo a cimentar nos últimos anos importantes acordos de colaboração com a Rússia. A China vê na Rússia a porta de entrada no ocidente e não tem interesse em ver a Rússia fechada e isolada do mundo. Talvez a China venha a ter um importante papel nas negociações para o fim da guerra. E se o conseguir, é provavelmente o Xeque-mate nas suas aspirações de se tornar a “dona disto tudo”.


Crónica publicada na edição 429 do Notícias de Coura, 23 de março de 2022.



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