segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Obviamente, demito-me.

Nunca imaginei quando escrevi a última crónica que tal pudesse acontecer. António Costa apresentar a demissão era coisa que não me passava pela cabeça, nem a mim, nem provavelmente a ninguém.

O país acordou sobressaltado no passado dia 7 com as notícias de buscas da PSP na residência oficial de António Costa, nos Ministérios do Ambiente e Infraestruturas e com a detenção do chefe de gabinete do 1.º ministro, de um consultor próximo, do Presidente da Câmara de Sines e de dois executivos empresariais. Em causa estavam (e estarão provavelmente), os negócio do lítio, do hidrogénio e da construção de um centro de dados. Ao mesmo tempo, sabe-se que os ministros João Galamba e Duarte Cordeiro e o ex-ministro João Matos Fernandes serão constituídos arguidos. Um verdadeiro terramoto político, e as réplicas sucedem-se. Depois de saber que corre no Supremo Tribunal de Justiça um inquérito de investigação sobre si, António Costa, obviamente, demite-se. Na minha opinião, fez muito bem, era a única coisa que lhe restava. Ainda que não lhe “pese na consciência nenhum ato ilícito praticado”, ter dois ministros constituídos arguidos e o chefe de gabinete preso, eram condições suficientes para o fazer, ética e politicamente só lhe fica bem. As horas e os dias vão passando e mais coisas se vão sabendo, o chefe de gabinete tinha setenta e cinco mil euros escondidos em livros e caixas de vinho, o ministro Galamba tinha droga em casa, enfim… mais casos e casinhos para dar enredo à novela.

António Costa, aquele que muitos apelidam, e bem, do melhor político da sua geração, e talvez de muitas gerações, tem o problema de ser muito teimoso, e além disso, descuidado. Escolher para chefe de gabinete Vítor Escária, um homem que se move nos corredores do poder há muitos anos, apelidam-no de desbloqueador de situações, foi assessor de Sócrates, administrador de empresas que lucraram com os fundos europeus que ele próprio geriu, que já se tinha demitido por causa do caso Galpgate, enfim, um assessor que podia ter muitos talentos, mas com um currículo perigoso. António Costa afirmou dias depois que “um 1.º ministro não tem amigos”, pena não o saber antes de chamar para junto de si pessoas deste calibre. Depois deste descuido, António Costa mostrou ser teimoso quando há alguns meses insistiu em manter no governo João Galamba, comprando uma “guerra” com o Presidente da República. Pior que isto, foi escolher João Galamba para encerrar o debate do Orçamento de Estado e onde este, numa atitude de verdadeira provocação, citou palavras de Marcelo Rebelo de Sousa. A teimosia e a provocação são perigosas, na política, e quando estão envolvidos os mais altos magistrados da nação, é pura má educação. Custou-lhe caro. Mas muito pior ainda, foi António Costa ter demorado quase uma semana a demitir João Galamba, aliás, e nem sequer foi ele a demiti-lo, foi Galamba que se demitiu. Antes disso, João Galamba ainda esteve na Assembleia da República a explicar propostas da sua tutela no Orçamento de Estado e afirmando que não tencionava demitir-se. Às vezes chego a pensar que alguma coisa faz com que Galamba tenha na mão António Costa.

Para ajudar à festa, Mário Centeno dá uma entrevista ao Finantial Times onde afirma ter sido convidado por António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa para liderar o governo. Algumas horas mais tarde teve de se retratar, depois de desmentido pelo Presidente da República. Mais uma ideia tonta e pouco pensada de António Costa, depois de colocar Centeno no Banco de Portugal, ia agora buscá-lo para chefiar um governo. Convocadas eleições antecipadas, como não poderia deixar de ser, começam a sair das tocas todos aqueles que sentem cheiro a poder. Vou-me referir apenas a Pedro Nuno Santos, um político que aprecio e que vai provavelmente ganhar o PS e talvez, pois já nada me surpreende, o país. A apresentação da sua candidatura a Secretário-Geral do PS foi um momento único de televisão, parecia que tinha chegado o salvador da pátria, qual Dom Sebastião perdido em batalhas longínquas. Centenas de apoiantes, aplausos constantes e sorrisos contagiantes! (Estariam mesmo felizes, ou estariam a pensar: - Deixa-me cá mostrar-me ao Pedro Nuno, que é daqui que pode vir poder!). Não tenho dúvidas que é um excelente político, mas a campanha não lhe vai ser fácil, como disse o jornalista Pedro Cruz na CNN Portugal, “No último ano e meio, Pedro Nuno não tem currículo, tem cadastro.”

Termino esta crónica sabendo que tenho aqui “pano para mangas” para muitas outras, consciente da necessidade de eleições, ciente de que dificilmente ficaremos melhor, mas recordando o slogan do Tiririca, palhaço brasileiro que foi candidato a Presidente: “Vota Tiririca, pior que tá, não fica!”


Crónica publicada na edição 467 do Notícias de Coura, 21 de novembro de 2023



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