terça-feira, 17 de outubro de 2023

Crise na habitação

A crise da habitação é talvez o mais grave problema que o nosso país atravessa. Terminada a pandemia, nascem nos grandes centros urbanos na periferia da capital milhares de apartamentos a preços atrativos. Comprar um T2 por 400 mil euros no Montijo é um excelente negócio, em Lisboa custa quase um milhão. A diferença chega perfeitamente para a portagem na Ponte Vasco da Gama. Parece ironia, mas não é, como diria Ricardo Araújo Pereira: “Isto é mesmo assim, fui eu que ouvi, ninguém me contou.” No último ano, a subida constante das taxas de juro tem sido o xeque-mate na vida de muitas famílias. Muitas tiveram de vender as casas, outras aumentaram o prazo de pagamento e muitas outras apagaram de vez o sonho de ter casa própria. Os salários e as pensões até têm subido, mas em valores tremendamente inferiores ao custo de vida.

Famílias a viver em tendas

Um casal que vivia num T1 em Lisboa e pagava oitocentos euros de renda, não viu o seu contrato renovado. Obviamente que o senhorio sabe que pode alugar por um preço bem mais alto… ou transformar a casa em alojamento local. Foram viver para uma tenda, num pinhal, a Quinta dos Ingleses. (Ouvir alguém dizer que mora na Quinta dos Ingleses, já não provoca inveja.) Para o banho, penduram um garrafão numa árvore. A cada dia que passa têm mais vizinhos. Pessoas que preferem morar em tendas a pagar trezentos ou quatrocentos euros por um quarto partilhado. Aqui perto de mim, no Pinhal Novo, há pessoas a viver há anos num parque de campismo. Pagam aproximadamente trezentos euros por mês, com despesas incluídas, o que não deixa de ser um preço muito atrativo.

O Professor da carrinha

Um exemplo triste* da vida de professor foi há dias conhecido através de uma notícia televisiva que nos mostrou o T0 (zero) de Rui Garcia. Professor de Educação Física de 57 anos, residente em S. Pedro de Arcos, Ponte de Lima, está a dar aulas em Elvas, a 430 km da sua residência. Não conseguindo suportar as despesas de alugar outra casa, o Professor dorme numa carrinha, toma banho e faz as refeições na escola. Ao fim-de-semana ocupa o tempo nos centros comerciais. Quando confrontado com a situação por uma repórter de um canal televisivo, o Sr. Ministro da Educação não comentou, mas não conseguiu esconder um riso. Seria uma expressão de gozo? A mim pareceu-me simplesmente desprezo. De gozo foi a atitude da DGAE (Direção-Geral da Administração Escolar) que depois de tomar conhecimento da situação ofereceu ao docente um T4 em Portimão, partilhado, a 360 km da escola onde leciona. Isto é mesmo, “gozar com quem trabalha”. Este ano o Sr. Ministro da Educação vangloriou-se que iriam ser disponibilizadas casas para professores. Havia 388 candidatos, foram selecionados 15. Entristece-me esta situação e temo que um dia destes, este meu colega Professor ainda seja multado por pernoitar em zona proibida, ou pior, assaltado.

Universitários que desistem de o ser

Depois da alegria de entrarem para a Universidade e para o curso que tanto ambicionaram, muitos jovens têm de desistir. Nalguns casos, apesar dos preços proibitivos, pior é mesmo não haver oferta. Embora este ano letivo alguns alunos tenham visto ser-lhe atribuída a bolsa de estudo ao mesmo tempo da colocação, o problema é ainda demasiado preocupante, e as medidas são ainda insuficientes. Se o Estado recuperasse os inúmeros imóveis fechados e devolutos que lhe pertencem, talvez não resolvesse totalmente este problema, mas minimizava-o quase em absoluto.

E assim vai o país. Este país que em tempos “deu mundos ao mundo”, um país que que mora no ponto mais estratégico da europa e que insiste em ser pequeno, demasiado pequeno. O Sr. Presidente da República disse já mais de uma vez que os portugueses são "os melhores dos melhores do mundo". Alguns até são. Pena que não sejam esses os que nos governam.

* Chamo-lhe triste porque tal não devia acontecer, mas de forma nenhuma é indigna. Aliás, eu era bem capaz de fazer o mesmo e não me sentiria de forma nenhuma envergonhado.


Crónica publicada na edição 464 do Notícias de Coura, 10 de outubro de 2023



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