domingo, 22 de dezembro de 2024

Já CHEGA disto.

No passado dia 29 novembro, e quando os deputados votavam o Orçamento de Estado e aprovaram o fim do corte de 5% no salário dos políticos, o partido Chega pendurou tarjas nas janelas da Assembleia da República (AR). O Presidente da AR, José Pedro Aguiar Branco, “considerou esta ação como um momento de vandalismo contra um património nacional” mas não teve a coragem de suspender imediatamente os trabalhos. Quando solicitou a André Ventura que retirassem as tarjas e este se negou a fazê-lo, não devia ter anunciado o que iria fazer, chamava os bombeiros para o fazer e a polícia para identificar os autores de tal vandalismo. E obviamente que é vandalismo, pois se fosse um qualquer cidadão que o fizesse seria preso imediatamente. A imunidade dos deputados não pode chegar para tudo. Faltou também coragem a todos os deputados que pediram a suspensão dos trabalhos e não a viram atendida pelo Presidente da Assembleia da República, deviam ter-se retirado, não estavam garantidas as condições de segurança e tal comportamento era uma séria forma de coação à votação do Orçamento de Estado. André ventura apressou-se a dizer que não era vandalismo, eu queria ver se fosse uma tarja a apoiar as touradas ou a causa LGBT o que ele diria.

Será que já se esqueceram da invasão do Capitólio nos EUA em 2021? E dos ataques aos palácios dos 3 Poderes no Brasil? Não se admirem se dentro de muito pouco tempo acontecer uma coisa parecida em Portugal. Basta ver o que se vai passando nas redes sociais, há grupo radicais infiltrados, especialmente de direita, que incendeiam tudo, querem é agitação, barulho, confusão.

Nos dias seguintes ouviram-se alguns deputados de partidos políticos de esquerda a acusar os deputados do Chega de serem insolentes e mal-educados na Assembleia da República. Não precisamos de provas para acreditar, obviamente que o são, mas dizer só na televisão não chega. Façam chegar essas queixas às autoridades, obriguem o Senhor Presidente da AR a ter pulso forte e coragem para mandar sair da AR os deputados que ofendem outros, porque tem esse poder. E se ele não o fizer, abandonem os trabalhos, ninguém é obrigado a estar no seu local de trabalho, ainda mais na casa da democracia, a ser humilhado dessa forma. Então aceita-se que quando a deputada do PAN, Inês Sousa Real fala sobre touradas, os deputados do Chega gritem “Olés”? Chamo-lhes deputados por respeito a este jornal e aos seus leitores, apetecia-me chamar-lhes outra coisa.

Concordo com algumas das coisas que André Ventura diz, que as fronteiras do país não podem estar escancaradas; que há crimes que deviam ter penas muito mais severas; que há apoios descontrolados a gente que simplesmente não quer trabalhar nem respeita as leis do país, mas jamais votarei num partido que envergonha a própria democracia, e mesmo que tenha vontade de fazer um voto de protesto, não será certamente no Chega. Haja paciência, ninguém tem mãos para pôr esta gente no seu devido lugar? O povo tem mãos, tem pelo menos a mão que segura a caneta no dia do voto. É isto que querem?

Vou terminar com dois ou três apontamentos distintos. Ruben Amorim seguiu o seu sonho e foi para Inglaterra, não tenho dúvidas que será feliz. O Sporting bem tentou disfarçar a perda, mas a avaliar pelos últimos resultados está num período de luto que se recusa a aceitar, e tenho pena. Apesar de não ser sportinguista, habituei-me a gostar das vitórias de uma equipa com um grupo de adeptos fantástico, não mereciam estar a passar por isto. Mas no futebol, quem manda é o dinheiro, temos mesmo de nos habituar! Cá por Portugal também o F.C. Porto vive uma crise de resultados e de falta de dinheiro, mas pelo menos sente-se uma limpeza e honestidade no clube que há muitos anos não se via. Talvez seja melhor assim. 2024 está a acabar, um ano marcado pelo regresso de Donald Trump, pelo escalar da guerra no Médio Oriente e na Ucrânia, por tragédias climáticas, algumas bem perto de nós; pela subida da extrema-direita em cada vez mais países. Se tudo isto não é uma terceira guerra mundial, não estará muito longe.

Desejos sinceros de um feliz Natal e de um próspero ano de 2025!


Crónica publicada na edição 492 do Notícias de Coura, 17 de dezembro de 2024



terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Joe Biden: o incendiário.

Joe Biden “foi obrigado” a desistir da corrida às eleições presidenciais norte americanas por motivos meramente políticos. O partido democrata deu-se conta, tarde demais, que a sua idade e condição física, bem como o seu estado mental estavam a deitar tudo a perder, e as sondagens comprovavam-no semana após semana. Foi tão tarde que não lhes restou outra alternativa que não fosse atirar Kamala Harris para o campo de batalha. Durante uns dias a situação parecia querer mudar, mas no final, a derrota foi estrondosa.

Pelo mundo surgiram desde logo grandes indignações, presságios tão assustadores que me fizeram palavras de Passos Coelho quando em 2016 se despediu dos deputados do PSD dizendo: “Gozem bem as férias que em Setembro vem aí o diabo.” Biden também se está a despedir dos Americanos e do Mundo, mas ao contrário de Passos Coelho ele não promete para janeiro a vinda do diabo, ele próprio abre já a porta ao diabo, convida-o a entrar e dá-lhe carta branca para fazer das suas. A decisão de autorizar a Ucrânia a atacar o interior da Rússia com mísseis de longo alcance é pura malvadez política, é uma decisão que põe em risco a segurança mundial, e é tomada única e simplesmente pelo facto de Donald Trump ter ganho as eleições. Trata-se de uma mera armadilha para Trump, para o obrigar a suspender esta decisão e passar por mau da fita! Ser o mau da fita é coisa que de certeza não preocupa minimamente Donald Trump.

Nunca percebi a justificação dada tanto pela América como pela Europa de não autorizar a Ucrânia a atacar, se ajudamos um país dando-lhe armas e munições não devemos impor condições sobre a forma como ele as vai utilizar. É a mesma coisa que dar uma esmola a um pobre e não o autorizar a comprar doces porque lhe vão fazer mal aos dentes. Indo buscar aqui uma inspiração futebolística, a melhor defesa é o ataque, e quem joga para empatar, normalmente perde. A América justificava a proibição de uso de mísseis por serem de fabrico norte-americano, mas a maior parte deles nem sequer são lá fabricados, são de fabrico francês e britânico, apenas tinham o sistema de navegação feito na América. Autorizar agora a Ucrânia a atacar é quase uma ofensa.

Entretanto, Putin mantém o seu discurso ameaçador, e enquanto não houver alguém que verdadeiramente lhe levante a voz, não vai mudar de tom. Na televisão Russa ouvem-se por vezes notícias que afirmam que “Conseguimos atingir Londres em 13 minutos e Paris em 9 minutos.” Putin afirma que testou um novo modelo de míssil balístico de médio alcance, mas que informou os EUA desse teste, que o mesmo foi um ensaio para agora poder começar a sua produção em série. Ao mesmo tempo, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, considerou que o uso pela Ucrânia de mísseis de longo alcance é um sinal claro de que o Ocidente quer escalar o conflito, e que vai responder diretamente a esses países, afirmando mesmo: “Quem está a lançar esses mísseis não é a Ucrânia, são os países que lhos forneceram.” E pior, Moscovo volta a justificar que o uso de armas nucleares pode ser a resposta a qualquer ataque a território russo.

O conflito está a entrar numa fase demasiado perigosa, e quem vai em janeiro ter um papel decisivo no seu desenvolvimento é, além de perigoso, louco… Donald Trump. Obviamente que não vai terminar a guerra com um telefonema. Nem lhe interessa muito, até porque já deve estar a ter grandes pressões do setor empresarial ligado ao armamento. Se a guerra acabasse, a quem essas empresas iriam depois vender armas e munições? Alimentar a guerra para os lados de Israel e do Irão não seria suficiente. Na minha humilde opinião, a Ucrânia nunca mais vai recuperar os territórios perdidos, e quanto mais tarde abdicar, mais território perderá. (E acredito mesmo que é isto que vai acontecer, Zelensky nunca irá aceitar perder um metro quadrado que seja.) Apesar de tanto a América como o Ocidente terem dito que nunca iriam deixar de apoiar a Ucrânia, mais tarde ou mais cedo vão fazê-lo. Se o não fizerem, teremos mesmo uma guerra de proporções mundiais. Países como a Noruega, Finlândia e Suécia já estão a preparar as suas populações para o pior. Talvez fosse o momento de outros também o fazerem.

Pela leitura das minhas últimas crónicas, os leitores do Notícias de Coura decerto acham que me tornei pessimista e um bocadinho depressivo. É melhor não lhes contar que tripliquei o stock de água, atum, massa, arroz e feijão. A minha geração nunca imaginou viver uma guerra, também nunca imaginámos viver uma pandemia.


Crónica publicada na edição 491 do Notícias de Coura, 3 de dezembro de 2024




segunda-feira, 25 de novembro de 2024

América, Moçambique, Espanha e Portugal.

Já estava destinado que nesta crónica teria de escrever qualquer coisa sobre as eleições americanas. Não me apetece é ocupar tanto texto a falar de Donald Trump, afinal, tenho quatro anos pela frente para o fazer. Desta forma, vou acrescentar mais três países à crónica, infelizmente por maus motivos.

América: Eu sei que me refiro aos Estados Unidos da América, mas, América sempre me soou melhor, a terra das oportunidades, uma terra que ainda desejo conhecer e que, volta meia-volta, me faz sentir um estranho arrependimento, se voltasse a ter quinze ou dezasseis anos, estudaria de forma diferente para emigrar! Mas vamos lá às eleições! Donald Trump foi reeleito, e desta vez ganhou em toda a linha. Mesmo que não se goste, mesmo que se ache um retrocesso, os americanos escolheram, e eles é que tinham de o fazer. Acho um absurdo fazer-se uma sondagem na Europa e concluir que se fossem os europeus a votar, Donald Trump teria pouco mais de vinte por cento. Apesar de ser um sujeito que diz disparates completamente absurdos, é notável ser eleito pela segunda vez para Presidente. E agora? Irá a Ucrânia perder rapidamente a guerra? Irão as mulheres perder os direitos reprodutivos? Irão os estrangeiros ser todos deportados? Esperemos que corra bem, os americanos é que escolheram, mas todo o mundo vai sentir os efeitos.

Espanha: As cheias trouxeram a morte e a tragédia à região de Valência. Sabe-se agora que as mensagens de alerta foram enviadas tarde demais, quando muitos as receberam já estavam retidos pela subida das águas. Tudo foi trágico, imagens desesperantes e surpreendentes, daquelas que só estamos habituados a ver na América ou em África. Para mim, algo que me chocou foi a demora no envio da ajuda. Não é de estranhar que o povo se tenha revoltado contra os políticos e até contra a família real. Na noite em que estou a escrever esta crónica vejo que se prevê chuva muito forte para a região de Valência, chuva que chegará a Portugal dois ou três dias depois. Há dias vi na Internet uma imagem antiga da cidade de Valência, atualmente verifica-se que a cidade ocupou grande parte do que outrora era o rio. Lisboa fez o mesmo nos últimos cem anos. A capital portuguesa está condenada a uma tragédia, só não se sabe quando acontecerá.

Moçambique: Quase a completar cinquenta anos de independência, o país atravessa um dos piores momentos da sua história. Venâncio Mondlane, líder da oposição moçambicana, apela ao bloqueio do país reclamando vitória nas eleições. Os confrontos entre a polícia e a população já causaram vários mortos e feridos. Várias capitais de província estão a ferro e fogo. Sempre fui a favor da independência dos países e da sua autodeterminação, mas muitas das antigas colónias portuguesas nunca mais viveram tempos de paz depois da descolonização.

Portugal: Por cá, o que se passou nos últimos dias com a greve às horas extraordinárias dos serviços do INEM, é inqualificável. A não definição de serviços mínimos levou à morte de 11 pessoas. Não dá sequer para imaginar o desespero de alguém que liga para o INEM porque tem um familiar a morrer, e ninguém atende. E não dá para ter paciência com uma Ministra da Saúde que diz que não sabia do pré-aviso de greve ou que não esperava que tivesse tanta adesão. É mau demais. Obviamente que já se devia ter demitido. Para terminar, não posso deixar de escrever algumas linhas sobre Rúben Amorim. Vai-se embora aquele que foi o treinador mais correto e educado que por cá passou. Deixa o Sporting em 1.º lugar só com vitórias, deixa uma equipa aguerrida e com uma enorme vontade de vencer, que não acredito que vá deixar de ser campeã nacional. O clube e os adeptos despedem-se com lágrimas e com um obrigado merecido, um gesto tão bonito que só mesmo o Sporting seria capaz de ter.


Crónica publicada na edição 490 do Notícias de Coura, 19 de novembro de 2024



segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Fui ao teatro a sério

Este título é uma mera provocação! Antecipo-me desde já neste esclarecimento para poupar os leitores à indignação que decerto iriam sentir caso só no final da crónica viessem a perceber a minha ironia.

Em 2018, no 8.º Fitavale, esse maravilhoso festival itinerante de teatro de amadores do Vale do Minho, o +TAC (o meu Teatro Amador Courense), apresentou em Monção, no Cineteatro João Verde a peça “A Ratoeira” de Agatha Christie. Nesta peça de teatro uma forte tempestade de neve fecha numa pousada um grupo de suspeitos, o assassino está entre eles e só se descobre quem é no fim. O +TAC, fiel a uma série de caraterísticas “que só nós sabemos”, surpreende mais uma vez, não leva a peça até ao fim e deixa em suspense os espetadores! Afinal, quem é o assassino!? A mim, deixou-me na dúvida até agora. Nessa altura, a minha esposa gostou tanto do que viu que só descansou quando conseguiu comprar o livro (e não foi fácil encontrá-lo), e o leu. Nunca lhe perguntei o final. Volta meia-volta falávamos na Ratoeira, e ela dizia-me que gostava imenso de ver de novo a peça de teatro, afinal, é só a peça mais produzida e representada a nível mundial! Um dia destes, eis senão quando, vejo ou oiço a frase “A Ratoeira”, em exibição no Teatro da Malaposta. Não perdi tempo, tratei de reservar dois bilhetes, e não foram os vinte e cinco euros por pessoa que me fizeram sequer ponderar a decisão. (Acho que se contasse ao povo desta região que no Vale do Minho existe uma Companhia de Teatro Profissional, que há vinte anos leva o teatro às aldeias de forma gratuita, lhes chamariam loucos!)

E lá fomos na noite do último sábado ao teatro! Há coisas que são iguais em todo o lado, a animação e agitação do público na entrada, o silêncio que toma conta da sala quando as luzes se apagam, um ou dois espetadores que entram em cima da hora… e depois, quando se abrem as cortinas, consigo sentir aquilo em que o dinheiro consegue fazer a diferença! O cenário é maravilhoso, é de época, tudo é tão verdadeiro que parece que fizemos uma viagem no tempo e estamos mesmo em meados do século XX. Estranhamente, quando fiquei encantado com o cenário lembrei-me de quando em 2008 o TAC apresentou “Vinho, copos e milagres”, uma peça de Tânia Rico. O nosso cenário eram vinte ou trinta grades de cerveja e frisumo vazias, presas com braçadeiras, com elas fizemos um balcão, uma porta e uma bancada onde nos sentámos! “A necessidade aguça o engenho”, é uma das coisas que aprendi com o teatro. E nunca isso foi limitação para chegar ao fim das peças com o coração cheio e a alma a rebentar de emoção! Em palco é tudo mais ou menos igual, um ou outro pequeno atropelo nas falas, um ou outro tropeção nas palavras, iguais a nós, portanto. Diferente é apenas a presença em palco de Ruy de Carvalho, com 97 anos é o ator mais velho do mundo ainda em atividade. Quando a sua personagem entra pela primeira vezem palco, o público aplaude-o. É merecido, obviamente que também o fiz, foi mais uma novidade, até este dia só estava habituado a bater palmas no fim. Durante a peça ouve-se o público rir algumas vezes, se fosse pelo Minho decerto teria reconhecido as gargalhadas da Cátia Sousa, da Sofia Brito ou do Luís Filipe Silva, seria capaz de as reconhecer em qualquer parte do mundo.

No final, fecha-se a cortina e ouvem-se os aplausos, os atores vêm agradecer, o público levanta-se e continua a aplaudir até que, Ruy de Carvalho pede silêncio… agradece emocionado e tal como na primeira representação desta peça, em 1952 em Londres, pede ao público segredo: -“Não contem a ninguém quem é o assassino!”

Saí da sala feliz, fiquei a conhecer o final da história, vi ao vivo talvez o melhor ator da história em Portugal, e percebi que o teatro pode ser um negócio rentável e muito bonito. Faltou-me aquela parte final em saltava para o palco para dar os parabéns aos atores, aquela parte em que nos últimos anos lhes tenho dito que quando os vejo, sinto imensa vontade de lá estar. O teatro foi umas das melhores coisas que trouxe de Paredes de Coura, e será uma das coisas que certamente me fará voltar enquanto a vida o permitir. Alegro-me ao pensar que já não falta muito para o próximo Fitavale!

Crónica publicada na edição 489 do Notícias de Coura, 5 de novembro de 2024




 

 

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Estou a ficar velho

Quando em outubro de 2012 escrevi a minha primeira crónica para o Notícias de Coura, e no meio dos meus constantes lamentos sobre a escolha do assunto, falava eu que poderia perfeitamente falar de livros, vício que ainda hoje me ocupa um espaço imenso em casa e me alivia a carteira todos os meses. Só em 2023 tive a necessidade de escrever exclusivamente de livros, ousando dessa vez partilhar com os leitores sete obras que guardo entre aquelas que mais me tocaram, aquelas que temos a necessidade de aconselhar aos amigos que leiam. Hoje, sinto mais uma vez a vontade de voltar aos livros, não para enumerar obras ou escritores, mas para partilhar com os leitores duas experiências, dolorosas num primeiro momento, significativas algum tempo depois, que não posso guardar só para mim.

Nos últimos anos tenho comprado umas largas dezenas de livros usados. Um livro usado, além de ser adquirido por um preço muitas vezes impossível de não aproveitar, traz consigo cheiros, páginas rasgadas, sublinhados e notas de rodapé e, tantas vezes, dedicatórias. Camarate, de Augusto Cid, foi uma das últimas compras. São mais de 900 páginas sobre o atentado que vitimou Francisco Sá Carneiro, 1.º Ministro de Portugal a 4 de dezembro de 1980. Escrevi atentado e não acidente propositadamente. Já li alguns milhares de páginas sobre este dia que mudou Portugal, depois de ler estas 900 certamente continuarei a ter a mesma opinião. Não serei decerto o único a pensar: “- Como estaria Portugal se Sá Carneiro não tivesse sido assassinado?” Melhor, sem dúvida que estaria melhor. Voltando ao livro, abri-o e li a dedicatória: “Só para lembrar um dia… 19-03-1984, com um beijo, A filha.” Confesso que fiquei emocionado ao pensar no alcance que teriam aquelas palavras. Estaria a filha a oferecer ao Pai um livro que o magoara por recordar aquele momento? Será que este Pai conheceria por algum motivo Francisco Sá Carneiro ou outra das pessoas que com ele viajava? Seria este Pai amigo, familiar ou colaborador de Francisco Sá Carneiro? Ou seria apenas que a filha queria que o Pai recordasse aquele dia em que lhe oferecera o livro? Fosse qual fosse o motivo, magoou-me mais ter nas mãos um livro que oferecido por uma filha a um Pai, tinha um dia ido parar às mãos de um alfarrabista, a um leilão online e a um comprador como eu. Trata-se de uma memória de uma família que, por trágicos motivos ou pelo simples passar dos dias já se extinguiu. Pensei depois nos meus livros. Será que um dia vão ter o mesmo destino? Espero ter saúde e presença de espírito para um dia lhes prolongar a vida noutras estantes.

Este pequeno momento de tristeza fez-me recordar um outro quando há cerca de dois ou três anos andava a passear de bicicleta e a explorar alguns locais abandonados, nomeadamente algumas fábricas que noutros tempos foram locais de riqueza e de muito emprego para a população da margem sul. Uma delas está transformada numa enorme lixeira, detritos de obras, de oficinas e de muitas casas que são reconstruídas e onde todo o seu recheio é aqui abandonado. Confesso que há uma parte de mim que adora estes locais, de exploração de coisas abandonadas! Nunca imaginei foi que algum desse lixo me fizesse sentir tão triste. Entre mobílias e objetos decorativos encontrei livros, postais de férias e de Natal, e muitas, muitas fotografias. Não resisti a ver a história de uma família que não conheço, pais e filhos em férias na praia, famílias à mesa a apagar as velas de um bolo de aniversário, batizados, e momentos banais de uma vida, agora abandonados numa lixeira ao sol e à chuva. Provavelmente, já nem são memórias de ninguém. Recordei-me de uma frase que li em tempos: “Um dia, seremos apenas uma fotografia numa moldura no móvel de alguém. Depois, nem isso.”

Depois de ler o que acabei de escrever pensei para comigo: “Parece que estás parvo. Só porque fizeste 50 anos ainda não és assim tão velho para começar a pensar no tempo que te resta! Sabes que é cada vez menos, mas haja paciência!” Anima-te que daqui a duas semanas vais ter muito que escrever sobre orçamento e eleições americanas. E a avaliar pelos últimos episódios, a coisa vai ser divertida!

Crónica publicada na edição 488 do Notícias de Coura, 22 de outubro de 2024





segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Estão todos entalados!

Está ao rubro a discussão política em torno do Orçamento de Estado (OE). Aliás, o que está animada é a conversa provocatória entre 1.º Ministro, Pedro Nuno Santos e André Ventura, porque sobre o orçamento em concreto pouco se sabe.

Luís Montenegro tem absoluta razão quando afirma ser da competência do governo, governar, e é absolutamente natural que o faça seguindo as linhas orientadoras do seu programa, aquele que os portugueses votaram. Por outro lado, não se pode esquecer que não tem deputados suficientes na Assembleia da República, logo, terá de agradar de certa forma a alguém para ter o seu OE aprovado. Está entre a espada e a parede, e já começo a acreditar que pela sua postura, por vezes intransigente, está a desejar que alguém provoque o naufrágio da legislatura.

Pedro Nuno Santos também tem absoluta razão quando afirma que não abdicará dos ideais socialistas e nunca aprovará medidas que são contra esses ideais e contrários aos que constavam no seu programa, que embora não tendo sido o mais votado, representa uma parte significativa do povo. Tal como Luís Montenegro, parece-me que também ele se encontra entre a espada e a parede, e não me parece que seja uma só espada. Se deixar passar o orçamento terá uma significativa oposição interna que considera que não tem de ser o PS a ser a muleta do governo. Ao mesmo tempo, perderá a posição de líder da oposição, fará com que André Ventura veja as suas previsões tornarem-se realidade, quando dizia que PS e PSD são iguais e que estão mais preocupados em manter os seus lugares que em resolver os problemas do país. Quanto à postura, Pedro Nuno Santos continua zangado e revoltado, é justo que não aprove o OE, mas também não pode achar sensato que o mesmo seja apoiado nas propostas do seu partido. Não me parece que aposte no naufrágio, mas devia prevenir-se já e agarrar numa boia.

André Ventura tem sempre razão, diga o que disser. Pelo menos assim julga! É capaz de mudar de opinião três vezes por dia, de manhã garante que não aprovará este orçamento, depois do almoço afirma estar disponível para negociar e que até concorda com as medidas que Pedro Nuno Santos considera inconcebíveis, e à noite garante que o Chega sempre esteve disponível para suportar uma maioria de direita e que este OE só não passará se o Governo não quiser. Afirma tanto e o seu contrário que me obriga e ler três ou quatro vezes o que acabei de escrever para ver se não há contradições. Tal como os outros, também ele está entre a espada e a parede: se aprova o OE dá trunfos a Pedro Nuno Santos para ser ele o verdadeiro e único líder da oposição e poder acusar Luís Montenegro de que afinal, “o não é não, se calhar é uma força de expressão.” Se reprova o OE não pode mais pensar em ser uma alternativa de apoio à direita, e caso haja eleições vai ser castigado. (Eu continuo a acreditar que muita gente votou no Chega para “chatear o sistema”, acredito também que muitos já viram que dali não se pode esperar grande coisa).

Marcelo Rebelo de Sousa: O Sr. Presidente da República já se deve ter arrependido de ter convocado eleições legislativas em 2021, depois do chumbo do OE de António Costa, quando PCP e BE se uniram à direita. Desde essa altura, a política portuguesa tem sido um desenrolar de casos, casinhos e outras peripécias lamentáveis. Se não houver OE, Marcelo Rebelo de Sousa não tem outra saída que não seja convocar eleições antecipadas. E lá iremos nós para mais uma voltinha, “onde as crianças não pagam, mas também não votam”, e onde no final ficará provavelmente tudo na mesma, ou pior. Marcelo Rebelo de Sousa foi-se encostar à parede, e é ele próprio quem segura a espada. Para terminar a rir, nada como a política na América… onde o candidato a Presidente, Donald Trump, acusa os imigrantes de andar a comer os cães e os gatos na cidade de Springfield! Nem os melhores criadores de humor político seriam capazes de inventar tamanha parvoíce!

Crónica publicada na edição 487 do Notícias de Coura, 8 de outubro de 2024



terça-feira, 1 de outubro de 2024

Um bombeiro não tem valor.

Escrevi na anterior crónica que já tinha esta meia alinhavada. E tinha. Aliás, tenho. Estão ali guardados noutro ficheiro meia dúzia de parágrafos para quem sabe usar um dia destes. No entanto, valores mais altos se levantam, neste caso são sentimentos de revolta que me obrigam a escrever sobre este assunto, estou de tal maneira zangado e triste que os pensamentos são mais rápidos que a minha capacidade em escrever tudo aquilo que me enerva neste momento. Já em 2017 escrevi sobre os incêndios em Portugal, volto a fazê-lo agora, se não houver coragem política, se a minha saúde ajudar e a paciência dos leitores do Notícias de Coura ainda suportar os meus textos, lá para 2029 ou 2030 voltarei infelizmente ao mesmo assunto.

“Sónia Melo, Susana Carvalho e Paulo Santos, bombeiros que pertenciam à corporação de Vila Nova de Oliveirinha, morreram hoje quando o carro onde seguiam foi apanhado pelo fogo. Perderam a vida no combate às chamas em Nelas”.

Escrevo isto na noite do dia 17 de setembro, o país está há alguns dias a arder e já são quatro os bombeiros que morreram nos últimos dias. Já não tenho paciência para ano após ano ouvir os discursos do costume. Depois destas tragédias ouvimos sempre as mesmas coisas: é preciso investir na prevenção, é necessária mais fiscalização na limpeza das matas, é fundamental repensar o ordenamento do território no que diz respeito às espécies florestais a autorizar e controlar, vão-se criar equipas de trabalho e gabinetes de estudo para apresentarem conclusões e propostas de implementação… O discurso é sempre o mesmo, ano após ano, quando há grandes incêndios já só é necessário ir copiar estas frases, ajustar alguns adjetivos, atualizar alguns números e colocar a informação no “play”. No dia de ontem assustei-me imenso ao ver a filmagem de um condutor que circulava na autoestrada A1, completamente cercado pelo fogo e quase sem visibilidade… imaginem o desespero das dezenas de pessoas que morreram da mesma forma em Pedrógão no ano de 2017. Foi um autêntico milagre não terem tido o mesmo destino. (Desta vez o Senhor lá de cima não estava distraído, nunca acreditei que ele conseguisse estar em todo o lado, desta vez estas pessoas tiveram sorte, ele estava a passar por ali.)

O povo tem de uma vez por todas de se revoltar. O povo é aquele que é dos primeiros a chegar aos incêndios e o primeiro a pegar em baldes de água, o povo é aquele que nunca arreda pé das suas casas quando há a necessidade de proteger aquilo por que lutou uma vida toda, o povo é aquele que conhece melhor que ninguém os terrenos, as fontes de água e os caminhos de acesso, o povo é muitas vezes o protetor dos bombeiros, heróis que são muitas vezes enviados para o terreno por quem comanda, gente que está sentada à frente de um computador e dá ordens sob um território que provavelmente não conhece.

Ainda sob o ordenamento do território, eu próprio que pouco percebo do assunto, consigo ver a extensão gigante de plantações de eucaliptos que povoam os terrenos onde há pouco tempo os incêndios consumiram os pinheiros que lá existiam. Se viajarem na A1 entre Porto e Lisboa, é fácil comprovar. Se nestes locais de tamanha visibilidade se vê isto, imaginem noutros locais, nomeadamente no interior do país. Não quero de forma nenhuma usar esta página do Notícias e Coura para incentivar a uma revolta popular, mas, não consigo deixar de pensar na coragem do povo de Valpaços que em 1989 enfrentou a GNR e arrancou uma plantação de eucaliptos. Temiam que as árvores esgotassem a água dos solos e ajudassem à propagação dos incêndios e defenderam a sua terra, num daqueles que foi um dos maiores protestos ambientais no nosso país. Ainda hoje de tarde alguém me contou que ouviu um bombeiro afirmar: “A culpa foi do governo que anunciou que o país teria dois dias de calor intenso, acabou por alertar os incendiários a provocarem tudo isto.” E ainda acrescentou: “E como é que querem que haja bombeiros disponíveis, se só lhes pagam dois euros e pouco por hora, mas têm de fazer 24 horas de trabalho seguidas?”

Confesso que não perdi tempo a comprovar a veracidade destes valores. Sinceramente, não quero saber para não me indignar ainda mais. A missão dos bombeiros de salvar vidas nunca terá um valor justo, o que for, será sempre pouco.

Crónica publicada na edição 486 do Notícias de Coura, 24 de setembro de 2024




terça-feira, 17 de setembro de 2024

Depois de agosto, vários regressos.

Passadas as férias de praia, os festivais de verão e as festas da aldeia, estamos de volta às rotinas que ano após ano preenchem os nossos dias. No meu caso, gosto mais de férias longe da praia, na festa da aldeia apenas me arrasto nas procissões para acompanhar os sobrinhos e quanto a festivais nunca fui grande fã, nem quando morei a 100 metros do melhor de todos eles! Deixa-me lá então tomar nota dos vários temas que me esperam neste regresso ao trabalho.

Regresso às aulas: O final das férias é sempre difícil, e por mais que goste do meu trabalho não me importava nada de ficar por casa mais uma ou duas semanas, até porque me fazia falta descansar das férias! Bons tempos os da década de oitenta e noventa onde de facto os professores não passavam tanto tempo na escola! Este ano letivo é marcado por uma tentativa do Ministério da Educação em estabilizar os professores em quadro de escola. Aplaudo a medida do anterior governo, mas condeno a forma desorganizada como o fez, foram muitos os professores que ficaram efetivos numa escola, mas depois a escola não teve horário para eles. Fiquei também surpreendido pela quantidade de professores que efetivaram logo no primeiro ou segundo ano de serviço. Que maravilha, que sossego para eles, nunca irão passar pela tormenta da malta da minha geração, sempre com o coração nas mãos em setembro sem saber se teria trabalho, sem imaginar onde iria parar. Muitos professores só efetivaram depois de vinte anos de serviço, embora seja justo dizer que muitos deles nunca quiseram sair da sua zona de conforto, não se pode “ter o sol na eira e a chuva no nabal”! Apesar destas medidas, a falta de professores é atualmente o maior problema do setor. Esta questão já não é de agora, já se começou a sentir há mais de seis ou sete anos e nada se fez. Aliado a isto, junta-se a quantidade assustadora de professores à beira da aposentação. Até 2030 irão embora cerca de um terço dos atuais professores, a situação poderá ficar insustentável. Para este ano letivo espera-se menos contestação, a devolução do tempo de serviço pelo atual governo foi a justa medida para quem sempre trabalhou.

Regresso ao futebol: Começou a nova temporada futebolística e as polémicas do costume, ainda vamos na quarta jornada e já há queixas sobre a arbitragem, polémicas com a compra e venda de jogadores e para pôr tudo em polvorosa, o Benfica despede o treinador. Mais polémico ainda que despedir Roger Schmidt é ouvir uma quantidade assustadora de benfiquista defender a contratação de Sérgio Conceição. A mim parece-me completamente absurdo, era como se de repente, André Ventura fosse nomeado Secretário-Geral do Partido Comunista! A mim preocupa-me fundamentalmente o meu Chaves. Há um ano estava no último lugar e a caminho da descida para a segunda divisão, este ano vai a caminho da terceira. Que saudades do Chaves das décadas de oitenta e noventa.

Regresso à política: São muitos os assuntos quentes que vão animar os próximos meses, mas há dois que me agradam especialmente: o orçamento de Estado e as eleições americanas. Sobre o orçamento há tantas coisas que me apetece-me dizer que vou esperar mais umas semanas para no mês de outubro lhe dedicar uma crónica inteira! Já tem quase uma página, ficam a faltar as polémicas que se avizinham e o título. Quanto às eleições americanas, assunto que me apaixona desde o ano 2000, quando Al Gore mesmo tendo mais votos perdeu para George Bush, a sensata desistência de Biden acabou por tirar alguma piada ao confronto, restam agora os discursos absurdos de Donald Trump para ter assunto para escrever. Espero que, a bem dos Estados Unidos e do mundo, Kamala Harris não faça nenhum disparate.

Regresso às crónicas: Regressa a minha obrigação quinzenal de escrever para o Notícias de Coura, obrigação no sentido de compromisso, nunca de castigo! Espero continuar a respeitar o prazo de envio e vou tentar não maçar os leitores com o relato das dificuldades que tantas vezes sinto em arranjar assunto. Entretanto, já comecei a escrever uma crónica para o mês de fevereiro e cujo título é: 200! Aturem-me por favor até lá!

Crónica publicada na edição 485 do Notícias de Coura, 10 de setembro de 2024



segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Triste Venezuela e triste PCP

Não foi com surpresa que ouvi o anúncio da vitória de Nicolas Maduro para um novo mandato como Presidente da Venezuela. Estranhei os números, anunciarem uma vitória com apenas 51% acaba por ser uma piada, ofensiva para o povo, que sabe perfeitamente que não foi assim que votou. Mas pior, a soma total do Conselho Nacional Eleitoral é superior a 100%. (Também por lá os resultados da matemática são preocupantes)! Na Venezuela as eleições estão longe de ser livres, a comunicação social é controlada pelo partido de Nicolás Maduro, a comissão eleitoral é nomeada pelo governo, observadores internacionais independentes são impedidos de entrar no país e existe pressão do governo sobre os funcionários públicos para colocarem a cruz no candidato certo.

Também não foi surpresa ver a Rússia e Cuba serem dos primeiros países a saudar a vitória de Maduro. Infelizmente, acabou por não ser surpresa ler o comunicado do PCP: «O PCP saúda a eleição de Nicolás Maduro como Presidente da República Bolivariana da Venezuela, bem como o conjunto das forças progressistas, democráticas e patriotas venezuelanas. O PCP (…) condena a reação do Governo português, alinhada com a política de ingerência dos EUA e da UE e quantos procuram animar a campanha promovida pela extrema-direita golpista.»

Continuam a ser lamentáveis as posições do PCP em matérias que envolvem regimes ditatoriais, Venezuela e Rússia são os exemplos mais recentes. Não é de estranhar que a cada ato eleitoral o PCP registe sempre piores resultados. Um partido que já teve mais de um milhão de votos e mais de quarenta deputados no início da década de oitenta do século passado, reduz-se hoje a pouco mais de duzentos mil votos e quatro deputados. Pior do que ser um partido envelhecido, é um partido que mesmo na voz dos mais jovens mantém o discurso do passado. Os eleitores fiéis ao PCP estão todos a morrer, o discurso não atrai militantes, é uma questão de tempo, e não muito, até o PCP desaparecer da Assembleia da República. Depois, vai-lhe acontecer provavelmente como ao CDS-PP, só voltará se se tornar a bengala de apoio de alguém.

É um facto que devemos ao PCP muita da luta contra a ditadura, mas fomos um país que teve a sorte de em novembro de 1975 o PCP não conseguir ter armas suficientes para mandar o povo para a rua, e desta vez certamente não seriam cravos que iriam sair das mesmas. (Estava escrito no programa do partido, depois do 25 de abril e da revolução democrática nacional feita, temos de avançar para a insurreição popular armada.) Diz-se que é um exagero quando alguém diz que foi graças ao 25 de novembro que Portugal não se tornou na Cuba da Europa. Sinceramente, já acreditei menos nisso.

Voltando à Venezuela, como é que um país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo, com imensas fontes de gás natural e rico em diamantes, tem o povo a viver na miséria, com um salário médio de pouco mais de duzentos dólares e onde um cabaz de bens essenciais custa quinhentos? A resposta é simples, o problema está nos dirigentes políticos, ditadores apoiados em forças policiais e regimes judiciais corruptos. Os regimes de Hugo Chávez e Nicolás Maduro levaram mais de vinte por cento dos Venezuelanos a deixar o país. Estimam-se em mais de três milhões os venezuelanos espalhados pelo mundo, sendo cerca de quarenta e cinco mil no nosso país, números que provavelmente vão aumentar nos próximos tempos. Quase todos nós conhecemos alguém vindo da Venezuela, gente humilde, trabalhadora e com água nos olhos quando se fala do seu país, da necessidade em fugir da pobreza e da fome, e da saudade que carregam dos familiares que lá ficaram.

No dia que termino de escrever esta crónica, já há mortos nas manifestações que se vão fazendo na Venezuela. Gostava muito que quando este artigo chegasse às mãos dos leitores a paz reinasse no país.

Desejos de boas férias, se for o caso. E bom festival!


Crónica publicada na edição 484 do Notícias de Coura, 6 de agosto de 2024



segunda-feira, 29 de julho de 2024

O mundo ao contrário

Ainda ontem enviei a anterior crónica e eis que, pela primeira vez ao longo dos quase doze anos de colaboração com o Notícias de Coura, começo a escrever um texto ainda antes da publicação da anterior! Estarei bem!? Comecei a escrever e a alinhar umas ideias, estava decidido a escrever umas últimas palavras sobre a prestação da seleção portuguesa no Europeu de futebol, umas coisas sobre a educação em Portugal, a entrevista da senhora Procuradora-Geral da República e algumas coisas sobre as eleições nos Estados Unidos. Com o anormal funcionamento do mundo acabei por desistir de alguns tópicos e acrescentar outros bem mais interessantes.

França: a extrema-direita ganhou a primeira volta das eleições legislativas em França. Houve tantos partidos que temeram pelo perigo que se aproximava que decidiram unir esforços e juntar-se numa estranha geringonça cujo único propósito foi derrotar a extrema-direita. Conseguiram. O pior vai ser agora entenderem-se para governar, mas isso é outro assunto!

Reino Unido: o partido trabalhista obteve uma vitória estrondosa e voltou ao poder catorze anos depois. Não vai ter tarefa fácil para lidar com o nível de pobreza de muita população dependente de apoios sociais. Tem no seu programa o combate à pobreza infantil, querer acabar com a dependência das cestas alimentares e construir habitação social, mas tudo isto assente no crescimento económico. Com o atual estado do mundo, não vai ser fácil.

Estados Unidos: É a terra das oportunidades, e neste caso a terra que me dá imensos motivos para escrever. As eleições presidenciais são só em novembro, mas a campanha e a luta política estão ao rubro. O atual Presidente Joe Biden já não consegue disfarçar as fragilidades de um homem de oitenta e um anos. No primeiro debate com Donald Trump não conseguiu mascarar o cansaço e a dificuldade em argumentar, foi visível o esforço por se manter acordado. Mas o pior estava para vir. Na cimeira da NATO referiu-se a Zelensky como presidente Putin, e pior ainda, enganou-se no nome da sua própria vice-presidente, Kamala Harris, chamando-lhe Donald Trump. Pior do que ter um candidato a presidente com estas fragilidades é os Estados Unidos virem a ter um Presidente que manifestamente não demonstra ter a capacidade e a lucidez que o cargo exige. Pior ainda, é a alternativa que os americanos estão prestes a eleger a acreditar nas sondagens que vão sendo conhecidas. Donald Trump já nem precisava de fazer grande coisa, bastava ir aparecendo, fazer uns comícios e esperar que o seu adversário continue a dar tiros nos pés. O vento já lhe estava favorável, e mais favorável ficou quando desviou a bala que lhe furou uma orelha. Enquanto discursava num comício na Pensilvânia, Donald Trump foi alvo de uma tentativa de assassinato, acabando apenas com uma orelha perfurada. Nunca saberemos se foi a má pontaria do atirador, se foi o efeito do vento ou o destino, o que é certo é que escapou e o momento parece ter sido decisivo no resultado de novembro. Fica a imagem de um homem, rodeado de seguranças que o tentam proteger, mas que com a cabeça em sangue consegue erguer o punho na direção do povo. Só um grande escândalo impedirá Donald Trump de voltar a ser Presidente dos Estados Unidos da América. Avizinham-se tempos difíceis e talvez perigosos, não só para os Estados Unidos mas principalmente para o mundo.

Espanha: Está em festa com a conquista do europeu de futebol. Mais do que merecido. Justíssimo. Por fim, a propósito do título, espero que não percam o mais bonito Mundo ao Contrário que verdadeiramente vale a pena, o de Paredes de Coura!

Crónica publicada na edição 483 do Notícias de Coura, 23 de julho de 2024



segunda-feira, 15 de julho de 2024

Ronaldo será sempre um campeão!

Confesso que escrevi este título uns dias antes de começar efetivamente esta frase que agora estão a ler. São vinte e duas horas do dia um de julho, aborreci-me com o jogo de futebol entre Portugal e a Eslovénia, enquanto decorre o prolongamento vou adiantando a minha crónica para o Notícias de Coura. A nossa seleção está a fazer um jogo triste, confuso, sem chama. Não há livre que não seja marcado por Ronaldo e até agora sem resultados, nem mesmo de penálti funcionou. Ronaldo chora no intervalo do prolongamento, compreende-se a tristeza e o desespero, mas nada disso apagará a mais bela imagem deste europeu, aquela que me serviu de inspiração para a presente crónica.

Portugal – Turquia, os jogadores alinhados ouvem o hino, à frente deles muitas crianças vivem um momento único. Na frente de Ronaldo vê-se uma menina, deslumbrada com ele, olha-o e chega a tocá-lo, vibrando de felicidade, como que a pensar: “- É mesmo verdadeiro!” Ronaldo nunca fica indiferente a esta coisas e retribui com um abraço. Ainda durante o jogo o campo é invadido por outra criança, corre pelo relvado em direção ao seu ídolo, ainda antes de o alcançar já ele o esperava de braços abertos, Ronaldo, quem mais poderia ser? São momentos como estes que certamente ficarão na memória destas crianças para a eternidade, mais do que quem será campeão europeu, estas crianças nunca esquecerão que em 2024 abraçaram o melhor jogador do mundo.

Entretanto, espreito a televisão e vejo que vamos a penáltis. Costuma dizer-se que os penáltis são uma lotaria, e que acaba sempre por vencer quem tem mais sorte. Não concordo, desculpa-se muitas vezes a falta de talento ou profissionalismo com a sorte ou o azar. Os penáltis também se treinam, e treinam aqueles que os marcam, como treinam os guarda-redes que os defendem. Terá sido Ronaldo que falhou o penálti ou o guarda-redes da Eslovénia que o defendeu?

E agora faço uma pausa. Vou esperar pelo fim do jogo para concluir a minha crónica. Até daqui a uns minutos…

Voltei! Feliz obviamente. Portugal vence e passa aos quartos-de-final. Mesmo triste e um pouco desalentado, Ronaldo é o primeiro a marcar e não falha, mostrou mais uma vez a coragem e determinação que o carateriza, quando foi mais necessário, não virou as costas à luta. Depois de marcar pediu desculpa aos adeptos, mas não era necessário, Ronaldo já nos deu tanto que não tem de pedir desculpa por nada. E enquanto os nossos jogadores marcam, na baliza Diogo Costa defende todos os penáltis do adversário, torna-se o homem do jogo e é decisivo para a continuidade em prova da nossa seleção. (Talvez tenha dado um importante passo para um grande clube europeu, e possa render alguns milhões ao FC Porto que, a acreditar nos jornais, todos os dias tem devedores à porta).

Agora voltaremos a defrontar a França, que tão boa recordação me traz de 2016, mas cuja tristeza e desalento de 1984 ainda não esqueci. Espero que quando este texto chegue às mãos dos leitores Portugal esteja já nas meias-finais e que sejam de alegria as próximas lágrimas que virmos de Ronaldo. (Há qualquer coisa que me diz que Ronaldo nos vai trazer uma grande alegria contra a França, talvez seja um pressentimento ou talvez seja um mero desejo, Ronaldo merece mais essa alegria.) Desta forma se cumpre a minha obrigação. Quando daqui a duas semanas voltar a escrever, o Campeonato da Europa já terminou. Pelo sim pelo não preparo já o título: Portugal campeão! Dava imenso jeito que Roberto Martinez não inventasse mais e conseguisse fazer dos melhores do mundo a melhor equipa! Caso contrário vai-me obrigar a procurar um novo assunto.


Crónica publicada na edição 482 do Notícias de Coura, 9 de julho de 2024





terça-feira, 2 de julho de 2024

Você enganou-se!

Ainda não é desta que me aventuro a falar das “minhas” pessoas de Coura. Estava quase decidido a fazê-lo. Em primeiro lugar porque estava sem ideias, e em segundo porque o cansaço nestes dias tem sido tal que quando chego a casa já só tenho forças para comer, tomar banho e dormir. (Podia queixar-me de passar nalguns dias 12 horas na escola, mas não vou fazê-lo, sabe-se bem que os professores trabalham pouco! Mesmo aqueles que aceitam muitas extraordinárias por semana para se encherem de dinheiro!) Sobre as “minhas” pessoas de Coura estou com grande dificuldade em escolher o segundo de quem vou falar. O primeiro é o Zé João da Pastelaria Courense. Tenho quase a certeza de que foi lá que tomei o 1.º café em Coura, em julho de 2006, tenho a certeza de que foi lá que tomei o último quando em julho de 2019 parti rumo ao sul. Entre estas datas, algumas centenas de cafés, a mesma simpatia e boa disposição de sempre, e aquela expressão que me habituei a ouvir e ainda hoje uso por achar tão bonita “Bom dia pela manhã!” Enquanto não me decido a escolher quem se seguirá, resta-me cumprir o compromisso e redigir mais uns parágrafos. E faz-se luz!

Afinal, também me engano. Lá se vai a minha esperança de ser melhor que Cavaco Silva. Deixo aqui esta confissão, mesmo sabendo que muitos dos leitores do Notícias de Coura já se esqueceram daquilo que escrevi na última crónica. Afirmei ter a certeza de que as provas de aferição correriam mal, pior ainda que no ano anterior. Enganei-me. Apesar de ainda faltar realizar a última prova (realiza-se amanhã, pois estou a escrever esta crónica no dia dezassete), o balanço tem sido positivo, apesar da rede de internet do Ministério da Educação estar cada vez pior, e de cada vez menos routers de acesso à mesma funcionarem (diz-se que por falta de pagamento do Estado), as provas têm corrido bem. Já relativamente à utilidade das mesmas, isso é outra conversa, terei certamente oportunidade de voltar a este assunto. Mesmo que esteja novamente enganado, prometo que voltarei. Nem que seja para criticar o governo caso não tenha a coragem política de acabar com elas.

O título desta crónica surgiu-me, não da lembrança deste meu engano, mas pelas memórias que o teatro me vai trazendo dos tempos felizes que vivi em Paredes de Coura. Aproxima-se o Fitavale, esse fenómeno único em que os grupos de teatro do Vale do Minho vão estrear as suas criações aos municípios vizinhos. Este ano a coisa está a ser diferente. As Comédias do Minho têm essa habilidade de nos surpreender constantemente. Pelo que tenho lido e visto, andam os grupos de teatro a estrear peças nas suas próprias terras. Então e meu TAC? Pois bem, fiquem sabendo que dia 29 deste mês ocorrerá uma autêntica maratona de teatro no Centro Cultural de Paredes de Coura! Vão lá estar os grupos de teatro de amadores todos! É a estreia do TAC, naturalmente não a posso perder! Enquanto tiver saúde, tudo farei para estar sempre presente na estreia de um grupo de teatro que tantas horas de alegria e verdadeira felicidade me proporcionou!

Nesta altura, apenas algumas pessoas poderão esboçar um sorriso ao ler este título! O TAC estava em cena, a representar a talvez mais cómica obra de Molière, O Avarento. Surpreendido pela minha deixa, que não tinha sido dita tal qual estava escrita no guião, aquele que comigo contracenava diz-me baixinho: “Você enganou-se!” Apanhado de surpresa por tamanha ousadia, lá lhe disse entre dentes a deixa dele, na qual pegou e a peça seguiu! Esta é das muitas coisas do teatro que jamais esquecerei! Esta e tantas outras, muitas delas tendo como ponto comum o ator em causa, e pelo qual sinto um grande carinho!

Até já. Vemo-nos no dia 29, no Centro Cultural de Paredes de Coura!



Crónica publicada na edição 481 do Notícias de Coura, 25 de junho de 2024



terça-feira, 11 de junho de 2024

Bem mou finto!

Resolvi dar a esta crónica um título diferente! Bem mou finto é uma expressão que pertence ao léxico-transmontano (e provavelmente a outros). Mesmo caída em desuso, ainda hoje se ouve por vezes esta expressão, sobretudo pelas gerações mais velhas, nas quais os meus “quase” cinquenta anos me fazem integrar! Significa “não acredito” ou “nessa não caio”. Lembro-me de a ouvir dezenas de vezes pela boca da minha Avó materna, que nunca acreditava em tantas das coisas que nós lhe contávamos, coisas demasiado avançadas para a sua época. É uma expressão agradável ao ouvido, e mesmo quem nunca a tenha ouvido, percebe imediatamente o seu significado pela entoação dada por quem a pronuncia. É tão divertida de se ouvir que há uns tempos, uns jovens da minha aldeia transmontana, Vilarandelo, resolveram usá-la para dar nome ao seu grupo de animação medieval que vai estando presente em casamentos e festas temáticas. Desta forma, vou dedicar esta crónica a coisas nas quais definitivamente não acredito, e portanto, tecer aqui uma série de opiniões pessimistas dignas de uma outra expressão que ouvi em tempos de uma colega Professora: “Eh pá, esta quando fala é só mau tempo!” (Referia-se ela a uma outra colega Professora que fosse qual fosse o assunto ou problema, só via o que podia correr mal.)

Aeroporto: Bem mou finto que vamos ter aeroporto em Alcochete! O governo anunciou há dias aquilo que há cinquenta anos estão muitos portugueses à espera: a localização do novo aeroporto de Lisboa. Será em Alcochete. Não acredito por várias razões: é preciso um novo estudo de impacto ambiental que vai obviamente demorar um ou dois anos; o contrato de concessão com a Vinci que obviamente não vai abdicar dos seus direitos e exigir uma indemnização astronómica; as outras candidaturas, nomeadamente Santarém, irão provavelmente impugnar a escolha, é muito provável que Portugal entre num período de recessão económica nos próximos anos e, por fim, tal como José Sócrates dizia que “as dívidas não são para se pagar, gerem-se”, eu digo que o Aeroporto não é para se construir, vai-se falando nele. Entretanto, o Aeroporto Humberto Delgado está permanentemente em obras e vai dando conta do recado.

Provas de Aferição: Bem mou finto que vão servir para alguma coisa! Sobre este assunto, que me irrita profundamente, sou melhor que Cavaco Silva, nunca me engano e nem sequer dúvidas tenho. Tenho a certeza que o processo vai correr mal, bem pior que no ano passado e os resultados de tal trabalho continuarão a não ter utilidade absolutamente nenhuma. No ano letivo anterior tive oportunidade de o expressar em carta dirigida ao Senhor Ministro da Educação. Este ano voltarei a fazê-lo, acrescentando o facto de lamentar que o governo não tenha tido a coragem política para as suspender, como teve o governo da geringonça em 2015 que no primeiro dia após a tomada de posse acabou com os exames nacionais de 4.º e 6.º ano.

Estabilidade política: Bem mou finto que nos vamos livrar de ir a eleições todos os anos! As eleições na Madeira são um belo exemplo, o PSD ganhou, mas sem maioria, e ninguém quer conversar com Miguel Albuquerque, o PS reuniu com o JPP para fazer um acordo, mas não têm maioria, ou será que vão conseguir convencer o Chega!? Cá pelo “contenente”, como dizia sempre em tom de gozo o Senhor Alberto João Jardim, a coisa continua animada, o governo só decide por decreto, na Assembleia só se aprovam coisas boas para o povo graças às propostas do PS, que passam com a abstenção ou voto a favor do Chega! (Quero ver a qual destes dois partidos os portugueses irão agradecer no momento de ir votar!) Daqui a dias teremos as eleições para o Parlamento Europeu que mais não servem para que quem ganhe se vanglorie dos resultados. Depois despacham-se os deputados para a Europa durante uns anos e poucas mais vezes ouvimos falar deles. Guerra: Neste tema não consigo usar a expressão que dá título a esta crónica. Sobre este tema as palavras têm de ser frias. Não acredito que a guerra na Ucrânia termine enquanto a Rússia não a destruir quase totalmente e tomar posse de todos os territórios que lhe interessam. Não acredito que Israel descanse enquanto não acabar com a Faixa de Gaza e quem sabe, não fizer desaparecer o Estado Palestiniano. (Oxalá me engane.)


Crónica publicada na edição 480 do Notícias de Coura, 4 de junho de 2024




terça-feira, 28 de maio de 2024

É tudo gente que não interessa.

É rara a semana em que não nos chegam nas notícias de vários canais televisivos, em particular da CMTV, casos de violência doméstica, muitos deles com desfechos trágicos. Nos últimos dias a comunicação social foi brindada com um caso particularmente relevante, não pela gravidade e pertinência do tema, mas pelos intervenientes envolvidos. José Castelo Branco, personagem difícil de caraterizar, foi acusado de ser violento com a sua esposa, uma senhora de noventa e cinco anos de idade, americana multimilionária com a qual se casou há trinta anos. Desde que a senhora foi internada por ter caído da escada, (segundo ela ter sido empurrada), têm nascido casos e casinhos, quais cogumelos a brotar numa floresta tropical! Há ex-empregadas que dizem agora que os maus-tratos não são novidade; há inquilinos que falam em esquemas de burla no aluguer da mansão da senhora, ex-amigos que falam que toda a vida do casal é uma peça de teatro, e até agora se descobre que a senhora Betty Grafstein tem uma dívida à autoridade tributária. Mais uma vez me apetece repetir palavras ainda escritas na anterior crónica: “Isto é tudo gente que não interessa”. Ainda assim, abrem noticiários, alimentam entrevistas, fazem capas de revistas e até me servem a mim para escrever algumas linhas de texto.

Entretanto, há um país para governar, há problemas importantes a resolver, os portugueses foram a votos para que muitos dos seus problemas sejam resolvidos. O governo está em funções há um mês e ainda não fez quase nada. Lamentável. O que nos vale é que temos alguma oposição a pegar nas rédeas da governação. Ver o Chega a votar as propostas do PS é algo perfeitamente normal. É assim a democracia, os partidos são livres de votar de acordo com as suas propostas. Naturalmente que se o Chega se abstiver para aprovar propostas da AD toda a esquerda verá nisto uma perigosa coligação de direita! Achei imensa piada quando o governo aprovou um aumento extraordinário do complemento solidário para idosos. O PS e o BE vieram logo dizer que é uma medida boa, e que estava nas suas propostas de governo, o Chega critica-a dizendo que também estava no seu programa, mas que esta fica aquém da sua, até o PCP a aprova, mas dizendo que fica a meio caminho da sua. Que forma engraçada de fazer política, critica-se aquilo que não se gosta, e daquilo que se gosta diz-se ser ideia nossa! Já estou a imaginar o que alguns partidos dirão quando o governo anunciar o local para a construção do novo aeroporto de Lisboa. Se o novo aeroporto vier a ser em Bragança, obviamente que a ideia original foi dos Gato Fedorento! A cereja no topo do bolo da política nacional dos últimos dias parece-me ser o projeto de deliberação entregue pelo Chega no Parlamento e que requer a abertura de um processo contra o Presidente da República pelos crimes de traição à pátria. Já tive oportunidade de me pronunciar sobre este assunto, mas esta ação do Chega, aliás, de André Ventura, é um absurdo e uma perda de tempo e recursos daquilo que deveria ser o trabalho da Assembleia da República.

Nos últimos dias chegou-nos também a notícia de um acordo de cooperação militar entre a Rússia e São Tomé e Príncipe. Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao seu estilo, resolveu desde logo afirmar querer conhecer o documento. Na resposta, o 1.º Ministro de São Tomé afirmou que o seu executivo “não precisa de Portugal para se relacionar com a Europa.” Enquanto isto, Putin às tantas nem sabe onde fica São Tomé nem Portugal, mas continua a colecionar aliados. Para respeitar o título da crónica, não vou escrever mais nada sobre estas três personagens.

Um último parágrafo sobre futebol. O Sporting foi um justíssimo campeão, a equipa na qual apostei as minhas fichas! (Na verdade apenas apostei dois euros, ganhei dezasseis.) O meu Chaves foi justamente despromovido à segunda liga, entristece-me, mas quem joga tão mal não merece estar na primeira liga. A época termina com mais buscas às claques do Futebol Clube do Porto, gente que não trabalha, exibe sinais de riqueza e está decerto envolvida em negócios ilícitos. Esta gente faz também jus ao título da crónica.

Crónica publicada na edição 479 do Notícias de Coura, 21 de maio de 2024




domingo, 12 de maio de 2024

Adeus Senhor Presidente.

Foi uma surpresa pelos números, não pelo resultado. Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto nos últimos quarenta e dois anos, perdeu as eleições para a presidência do clube para André Villas-Boas. Ao obter apenas dezanove por cento dos votos, Pinto da Costa percebeu finalmente que os sócios quiseram vê-lo afastado dos destinos do clube. É triste que ninguém tenha colocado juízo a um homem de oitenta e seis anos, que já há muito devia ter deixado o cargo. Podia ter saído em ombros, acabou por sair pela porta dos fundos. Por mais palmas que lhe batam, por mais agradecimentos que lhe façam, o que está nas bocas do mundo é a estrondosa derrota. Não tenhamos dúvidas que dificilmente voltará a existir um presidente tão titulado no mundo, mas dificilmente um presidente voltará a estar tantos anos no cargo. (Talvez na Rússia isso possa acontecer, Putin governa há vinte e quatro anos, faltam dezoito para os quarenta e dois, como tem setenta e um anos de idade só precisa de aguentar vivo até aos oitenta e nove.) Mais do que livrar-se de Pinto da Costa, os sócios do Porto quiseram ver-se livres da quantidade de pessoas pouco aconselháveis que o rodeavam, que lhe davam apoio e os quais apoiava e defendia. Fernando Madureira foi preso, mas a claque não ficou sem líder, Bruno Pidá assumiu o lugar, um homem condenado em dois mil e dez a vinte e três anos de prisão por homicídio qualificado, e que está desde o ano passado em liberdade condicional. Como dizia o meu amigo Bruno Cerqueira, meu colega professor em Coura: “Isto é gente que não interessa!” Como adepto de futebol, e até como simpatizante do Porto, é com alegria que escrevo: “Adeus Senhor Presidente”!

Como este título me permitiu escrever apenas cerca de vinte linhas, e como preciso de pelo menos mais trinta para que esta crónica tenha o tamanho mínimo aceitável para ser publicada, eis que me surge uma ideia “maquiavélica”! E se numa mesma crónica, eu tivesse a ousadia de me despedir não de um, mas de dois presidentes!? E embora eu tenha feito uma espécie de promessa de me manter afastado da política, e ter feito um esforço enorme nas duas últimas duas crónicas para a cumprir, está na hora de assumir que tenho de fazer uma pausa na promessa. Compreenderão certamente que a culpa não é minha, a atualidade assim o exige, e tenho de o fazer já antes que novos disparates aconteçam e façam este ficar esquecido.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, por mais que se tente compreender a forma diferente de exercer a Presidência, por mais que se admire a sua atitude de estar com o povo, por mais que se compreenda a sua dificuldade em despir a pele de comentador que fala quase todos os dias sobre tudo e sobre nada, não são compreensíveis as declarações que fez durante um jantar com os correspondentes estrangeiros em Portugal. Sobre o atual 1.º Ministro Luís Montenegro, disse que “é uma pessoa que vem de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais"; sobre o ex-1.º Ministro António Costa afirmou “ser lento, por ser oriental”; sobre a Procuradora-Geral da República disse ter tido “um ato "maquiavélico durante a Operação Influencer”. Se isto fosse num jantar entre amigos ainda se compreendia, mas assim, pode não ser falta de educação, mas é certamente falta de bom senso, muita falta de bom senso. Mas pior, bem pior, foi dizer que “Portugal deve pagar pelos crimes de escravatura”. Como Senhor Presidente? Quer apagar quinhentos anos de história? Acha que devemos apagar dos livros a escravatura e o colonialismo? Devemos pagar às ex-colónias quanto? E aos milhares de portugueses que perderam a vida na guerra colonial? E aos que ficaram deficientes para o resto da vida? E aos que perderam anos de vida numa guerra para onde iam obrigados? Não me vou prolongar mais, esta coisa de se querer apagar o passado desta forma irrita-me. Talvez seja por ter nascido numa ex-colónia. Talvez seja por já ter nascido depois de abril de 74.

Mas foi para isto que abril se fez, para eu poder achar absurdas as declarações do Presidente da República do meu país, para eu poder desejar que chegue rapidamente o dia em que eu possa dizer: “Adeus Senhor Presidente”.


Crónica publicada na edição 478 do Notícias de Coura, 8 de maio de 2024


terça-feira, 30 de abril de 2024

E se escrevesse sobre pessoas de Coura?

Ando a navegar na Internet desde as sete da manhã à procura de algum assunto que me inspire a escrever mais uma crónica para o Notícias de Coura, até agora sem sucesso. Na verdade, há imensos assuntos que me dão vontade de escrever, mas são todos sobre política nacional, e como prometi afastar-me destes temas durante uns tempos, vou cumprir. Nem mesmo para criticar a falta de coragem do Ministério da Educação para acabar de vez com as inúteis provas de aferição. Comigo, não é não… onde é que eu já ouvi isto!?

Nas pesquisas de notícias sobre Paredes de Coura aparecem-me coisas engraçadas, uma prova de BTT internacional, a criação de um centro de dia e um fundo de reformas para os trabalhadores da Kyaia, a vitória concelhia do PS nas legislativas, e umas mil notícias sobre o Festival! Nada do que poderia escrever traria aos leitores algo de novo, algo que não saibam muito melhor que eu.

Lembrei-me de escrever novamente sobre os meus livros, mas ainda o fiz há pouco, foi em fevereiro de 2023. Alguns leitores ainda devem estar recordados, é melhor deixar este assunto para 2025 ou 2026. Entretanto, lembro-me de um tema que já muitas vezes me passou pela cabeça, mas que nunca arrisquei a colocar no papel: “- E se eu arriscasse e finalmente começasse com este tema? E se aproveitasse esta crónica para o apresentar, mas só daqui a algumas semanas ou meses começasse verdadeiramente a aprofundá-lo?” Como nada mais tenho em mente, cá vai então!

Vou perguntar ao Tinoco se posso de vez em quando escrever sobre pessoas de Coura, podem não ser se calhar as mais conhecidas e famosas, mas são aquelas que trago no coração. Aquelas que fizeram com que os meus treze anos em Paredes de Coura me estejam guardados de forma especial nas memórias que todos os dias me assaltam. Aquelas pessoas que, como eu já escrevi em tempos, nos façam amar as terras. Perguntar ao Tinoco é uma forma de dizer, obviamente que ele vai ler este texto e assim fica já a saber o que aí vem.

Tomada esta decisão, crio imediatamente um ficheiro, ou seja, pego num papel e começo a escrever alguns nomes. Como são muitos, começo por criar categorias, as pessoas da escola, do teatro, dos cafés, restaurantes e lojas, dos HeM, e até da rua. Mesmo que só dedique meia dúzia de linhas a cada uma delas, tenho aqui assunto para, quando me sentir atrapalhado como agora, cumprir a minha obrigação com relativa facilidade. Esta é a minha crónica número cento e oitenta e quatro, não sei até quando os leitores terão paciência para me aturar, mas da mesma forma que em tempos sonhava chegar à crónica cem, tenho agora o desejo secreto de chegar à crónica duzentos! Até já pensei em publicá-las em livro, numa edição pessoal que não me custe os olhos da cara e me permita ficar aliviado para a compra dos presentes de Natal, ofereço o meu livro a toda a gente! Isto pode parecer vaidoso, mas sei de um grupo que um dia ofereceu a sua própria fotografia aos amigos! Mas este episódio, será um dia parte de uma crónica dedicada aos HeM!

Falta-me escolher o título da crónica, já pensei em “Pessoas de Coura”, “Amigos de Coura”, “Pessoas Inesquecíveis”, mas nenhuma delas me cativa. Penso então em “As minhas pessoas de Coura” e sinto que se ajusta. Coura porque foi lá que as conheci embora algumas não sejam de lá naturais, minhas porque foram elas que me fizeram ficar com Coura no coração, como dificilmente ficarei com outra terra. Está decidido. Agora que terminei a crónica é que lhe dei título. Sei que o título vai fazer com que muitos leitores acabem de a ler e perguntem: “Tanta conversa, e não falou de ninguém de Coura.” Não se zanguem, quem sabe um dia encontrarão o vosso nome por aqui!

Crónica publicada na edição 477 do Notícias de Coura, 23 de abril de 2024