Este título é uma mera provocação! Antecipo-me desde já neste esclarecimento para poupar os leitores à indignação que decerto iriam sentir caso só no final da crónica viessem a perceber a minha ironia.
Em 2018, no 8.º Fitavale, esse maravilhoso festival itinerante de teatro de amadores do Vale do Minho, o +TAC (o meu Teatro Amador Courense), apresentou em Monção, no Cineteatro João Verde a peça “A Ratoeira” de Agatha Christie. Nesta peça de teatro uma forte tempestade de neve fecha numa pousada um grupo de suspeitos, o assassino está entre eles e só se descobre quem é no fim. O +TAC, fiel a uma série de caraterísticas “que só nós sabemos”, surpreende mais uma vez, não leva a peça até ao fim e deixa em suspense os espetadores! Afinal, quem é o assassino!? A mim, deixou-me na dúvida até agora. Nessa altura, a minha esposa gostou tanto do que viu que só descansou quando conseguiu comprar o livro (e não foi fácil encontrá-lo), e o leu. Nunca lhe perguntei o final. Volta meia-volta falávamos na Ratoeira, e ela dizia-me que gostava imenso de ver de novo a peça de teatro, afinal, é só a peça mais produzida e representada a nível mundial! Um dia destes, eis senão quando, vejo ou oiço a frase “A Ratoeira”, em exibição no Teatro da Malaposta. Não perdi tempo, tratei de reservar dois bilhetes, e não foram os vinte e cinco euros por pessoa que me fizeram sequer ponderar a decisão. (Acho que se contasse ao povo desta região que no Vale do Minho existe uma Companhia de Teatro Profissional, que há vinte anos leva o teatro às aldeias de forma gratuita, lhes chamariam loucos!)
E lá fomos na noite do último sábado ao teatro! Há coisas que são iguais em todo o lado, a animação e agitação do público na entrada, o silêncio que toma conta da sala quando as luzes se apagam, um ou dois espetadores que entram em cima da hora… e depois, quando se abrem as cortinas, consigo sentir aquilo em que o dinheiro consegue fazer a diferença! O cenário é maravilhoso, é de época, tudo é tão verdadeiro que parece que fizemos uma viagem no tempo e estamos mesmo em meados do século XX. Estranhamente, quando fiquei encantado com o cenário lembrei-me de quando em 2008 o TAC apresentou “Vinho, copos e milagres”, uma peça de Tânia Rico. O nosso cenário eram vinte ou trinta grades de cerveja e frisumo vazias, presas com braçadeiras, com elas fizemos um balcão, uma porta e uma bancada onde nos sentámos! “A necessidade aguça o engenho”, é uma das coisas que aprendi com o teatro. E nunca isso foi limitação para chegar ao fim das peças com o coração cheio e a alma a rebentar de emoção! Em palco é tudo mais ou menos igual, um ou outro pequeno atropelo nas falas, um ou outro tropeção nas palavras, iguais a nós, portanto. Diferente é apenas a presença em palco de Ruy de Carvalho, com 97 anos é o ator mais velho do mundo ainda em atividade. Quando a sua personagem entra pela primeira vezem palco, o público aplaude-o. É merecido, obviamente que também o fiz, foi mais uma novidade, até este dia só estava habituado a bater palmas no fim. Durante a peça ouve-se o público rir algumas vezes, se fosse pelo Minho decerto teria reconhecido as gargalhadas da Cátia Sousa, da Sofia Brito ou do Luís Filipe Silva, seria capaz de as reconhecer em qualquer parte do mundo.
No final, fecha-se a cortina e ouvem-se os aplausos, os atores vêm agradecer, o público levanta-se e continua a aplaudir até que, Ruy de Carvalho pede silêncio… agradece emocionado e tal como na primeira representação desta peça, em 1952 em Londres, pede ao público segredo: -“Não contem a ninguém quem é o assassino!”
Saí da sala feliz, fiquei a conhecer o final da história, vi ao vivo talvez o melhor ator da história em Portugal, e percebi que o teatro pode ser um negócio rentável e muito bonito. Faltou-me aquela parte final em saltava para o palco para dar os parabéns aos atores, aquela parte em que nos últimos anos lhes tenho dito que quando os vejo, sinto imensa vontade de lá estar. O teatro foi umas das melhores coisas que trouxe de Paredes de Coura, e será uma das coisas que certamente me fará voltar enquanto a vida o permitir. Alegro-me ao pensar que já não falta muito para o próximo Fitavale!
Crónica publicada na edição 489 do Notícias de Coura, 5 de novembro de 2024

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