Escrevi na anterior crónica que já tinha esta meia alinhavada. E tinha. Aliás, tenho. Estão ali guardados noutro ficheiro meia dúzia de parágrafos para quem sabe usar um dia destes. No entanto, valores mais altos se levantam, neste caso são sentimentos de revolta que me obrigam a escrever sobre este assunto, estou de tal maneira zangado e triste que os pensamentos são mais rápidos que a minha capacidade em escrever tudo aquilo que me enerva neste momento. Já em 2017 escrevi sobre os incêndios em Portugal, volto a fazê-lo agora, se não houver coragem política, se a minha saúde ajudar e a paciência dos leitores do Notícias de Coura ainda suportar os meus textos, lá para 2029 ou 2030 voltarei infelizmente ao mesmo assunto.
“Sónia Melo, Susana Carvalho e Paulo Santos, bombeiros que pertenciam à corporação de Vila Nova de Oliveirinha, morreram hoje quando o carro onde seguiam foi apanhado pelo fogo. Perderam a vida no combate às chamas em Nelas”.
Escrevo isto na noite do dia 17 de setembro, o país está há alguns dias a arder e já são quatro os bombeiros que morreram nos últimos dias. Já não tenho paciência para ano após ano ouvir os discursos do costume. Depois destas tragédias ouvimos sempre as mesmas coisas: é preciso investir na prevenção, é necessária mais fiscalização na limpeza das matas, é fundamental repensar o ordenamento do território no que diz respeito às espécies florestais a autorizar e controlar, vão-se criar equipas de trabalho e gabinetes de estudo para apresentarem conclusões e propostas de implementação… O discurso é sempre o mesmo, ano após ano, quando há grandes incêndios já só é necessário ir copiar estas frases, ajustar alguns adjetivos, atualizar alguns números e colocar a informação no “play”. No dia de ontem assustei-me imenso ao ver a filmagem de um condutor que circulava na autoestrada A1, completamente cercado pelo fogo e quase sem visibilidade… imaginem o desespero das dezenas de pessoas que morreram da mesma forma em Pedrógão no ano de 2017. Foi um autêntico milagre não terem tido o mesmo destino. (Desta vez o Senhor lá de cima não estava distraído, nunca acreditei que ele conseguisse estar em todo o lado, desta vez estas pessoas tiveram sorte, ele estava a passar por ali.)
O povo tem de uma vez por todas de se revoltar. O povo é aquele que é dos primeiros a chegar aos incêndios e o primeiro a pegar em baldes de água, o povo é aquele que nunca arreda pé das suas casas quando há a necessidade de proteger aquilo por que lutou uma vida toda, o povo é aquele que conhece melhor que ninguém os terrenos, as fontes de água e os caminhos de acesso, o povo é muitas vezes o protetor dos bombeiros, heróis que são muitas vezes enviados para o terreno por quem comanda, gente que está sentada à frente de um computador e dá ordens sob um território que provavelmente não conhece.
Ainda sob o ordenamento do território, eu próprio que pouco percebo do assunto, consigo ver a extensão gigante de plantações de eucaliptos que povoam os terrenos onde há pouco tempo os incêndios consumiram os pinheiros que lá existiam. Se viajarem na A1 entre Porto e Lisboa, é fácil comprovar. Se nestes locais de tamanha visibilidade se vê isto, imaginem noutros locais, nomeadamente no interior do país. Não quero de forma nenhuma usar esta página do Notícias e Coura para incentivar a uma revolta popular, mas, não consigo deixar de pensar na coragem do povo de Valpaços que em 1989 enfrentou a GNR e arrancou uma plantação de eucaliptos. Temiam que as árvores esgotassem a água dos solos e ajudassem à propagação dos incêndios e defenderam a sua terra, num daqueles que foi um dos maiores protestos ambientais no nosso país. Ainda hoje de tarde alguém me contou que ouviu um bombeiro afirmar: “A culpa foi do governo que anunciou que o país teria dois dias de calor intenso, acabou por alertar os incendiários a provocarem tudo isto.” E ainda acrescentou: “E como é que querem que haja bombeiros disponíveis, se só lhes pagam dois euros e pouco por hora, mas têm de fazer 24 horas de trabalho seguidas?”
Confesso que não perdi tempo a comprovar a veracidade destes valores. Sinceramente, não quero saber para não me indignar ainda mais. A missão dos bombeiros de salvar vidas nunca terá um valor justo, o que for, será sempre pouco.
Crónica publicada na edição 486 do Notícias de Coura, 24 de setembro de 2024
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