domingo, 12 de maio de 2024

Adeus Senhor Presidente.

Foi uma surpresa pelos números, não pelo resultado. Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto nos últimos quarenta e dois anos, perdeu as eleições para a presidência do clube para André Villas-Boas. Ao obter apenas dezanove por cento dos votos, Pinto da Costa percebeu finalmente que os sócios quiseram vê-lo afastado dos destinos do clube. É triste que ninguém tenha colocado juízo a um homem de oitenta e seis anos, que já há muito devia ter deixado o cargo. Podia ter saído em ombros, acabou por sair pela porta dos fundos. Por mais palmas que lhe batam, por mais agradecimentos que lhe façam, o que está nas bocas do mundo é a estrondosa derrota. Não tenhamos dúvidas que dificilmente voltará a existir um presidente tão titulado no mundo, mas dificilmente um presidente voltará a estar tantos anos no cargo. (Talvez na Rússia isso possa acontecer, Putin governa há vinte e quatro anos, faltam dezoito para os quarenta e dois, como tem setenta e um anos de idade só precisa de aguentar vivo até aos oitenta e nove.) Mais do que livrar-se de Pinto da Costa, os sócios do Porto quiseram ver-se livres da quantidade de pessoas pouco aconselháveis que o rodeavam, que lhe davam apoio e os quais apoiava e defendia. Fernando Madureira foi preso, mas a claque não ficou sem líder, Bruno Pidá assumiu o lugar, um homem condenado em dois mil e dez a vinte e três anos de prisão por homicídio qualificado, e que está desde o ano passado em liberdade condicional. Como dizia o meu amigo Bruno Cerqueira, meu colega professor em Coura: “Isto é gente que não interessa!” Como adepto de futebol, e até como simpatizante do Porto, é com alegria que escrevo: “Adeus Senhor Presidente”!

Como este título me permitiu escrever apenas cerca de vinte linhas, e como preciso de pelo menos mais trinta para que esta crónica tenha o tamanho mínimo aceitável para ser publicada, eis que me surge uma ideia “maquiavélica”! E se numa mesma crónica, eu tivesse a ousadia de me despedir não de um, mas de dois presidentes!? E embora eu tenha feito uma espécie de promessa de me manter afastado da política, e ter feito um esforço enorme nas duas últimas duas crónicas para a cumprir, está na hora de assumir que tenho de fazer uma pausa na promessa. Compreenderão certamente que a culpa não é minha, a atualidade assim o exige, e tenho de o fazer já antes que novos disparates aconteçam e façam este ficar esquecido.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, por mais que se tente compreender a forma diferente de exercer a Presidência, por mais que se admire a sua atitude de estar com o povo, por mais que se compreenda a sua dificuldade em despir a pele de comentador que fala quase todos os dias sobre tudo e sobre nada, não são compreensíveis as declarações que fez durante um jantar com os correspondentes estrangeiros em Portugal. Sobre o atual 1.º Ministro Luís Montenegro, disse que “é uma pessoa que vem de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais"; sobre o ex-1.º Ministro António Costa afirmou “ser lento, por ser oriental”; sobre a Procuradora-Geral da República disse ter tido “um ato "maquiavélico durante a Operação Influencer”. Se isto fosse num jantar entre amigos ainda se compreendia, mas assim, pode não ser falta de educação, mas é certamente falta de bom senso, muita falta de bom senso. Mas pior, bem pior, foi dizer que “Portugal deve pagar pelos crimes de escravatura”. Como Senhor Presidente? Quer apagar quinhentos anos de história? Acha que devemos apagar dos livros a escravatura e o colonialismo? Devemos pagar às ex-colónias quanto? E aos milhares de portugueses que perderam a vida na guerra colonial? E aos que ficaram deficientes para o resto da vida? E aos que perderam anos de vida numa guerra para onde iam obrigados? Não me vou prolongar mais, esta coisa de se querer apagar o passado desta forma irrita-me. Talvez seja por ter nascido numa ex-colónia. Talvez seja por já ter nascido depois de abril de 74.

Mas foi para isto que abril se fez, para eu poder achar absurdas as declarações do Presidente da República do meu país, para eu poder desejar que chegue rapidamente o dia em que eu possa dizer: “Adeus Senhor Presidente”.


Crónica publicada na edição 478 do Notícias de Coura, 8 de maio de 2024


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