terça-feira, 4 de março de 2025

Não é liberdade de expressão, é falta de educação.

Já não é de agora que se ouve falar nos constantes insultos dos deputados do Chega, não só no hemiciclo como nos corredores da Assembleia da República.

Em 2024 a deputada Romualda Fernandes foi brindada com um jocoso “Boa noite!” por parte de um deputado do Chega quando em plena luz do dia a deputada abriu a porta da sala das comissões. Se a deputada fosse branca não haveria lugar a esta “brincadeira”. Pelos corredores, as deputadas socialistas queixam-se de serem chamadas de vacas e ouvirem mugidos por parte dos deputados do partido de André Ventura. Na verdade, o discurso destes deputados é tão pobre que se calhar é mesmo melhor ouvir um mugido ou um grunhido. Há dias, a deputada do PS Ana Sofia Antunes foi acusada pelo Chega de só falar de temas que incluem deficiências, uma ofensa gratuita e baixa a uma deputada que é invisual. O bate-boca que se seguiu foi vergonhoso, com Filipe Melo do Chega a dizer que Isabel Moreira do PS é uma aberração e estava drogada e Isabel Moreira a mandar o deputado do Chega pagar as pensões que deve aos filhos. (Isto é mais vergonhoso que as discussões que se ouvem nas piores tascas entre os piores bêbados do bairro.)

Dias antes, o ex-deputado do Chega Miguel Arruda, agora deputado não inscrito, tinha sido brindado durante o seu discurso de um minuto com algumas piadas: “Cuidado com a mala!”; “Camisas a 1 euro!”. Obviamente que ele se pôs a jeito, mas a Assembleia da República não é o lugar para estes comportamentos. O povo português tem de uma vez por todas de perceber que tipo de gente é que está a colocar na casa da democracia. É esta gente que tem o poder de legislar e condicionar o nosso futuro.

Obviamente que a educação vem de casa, e no caso de muitos deputados é notório que não se pode ter aquilo que se calhar nunca lhes deram. Não é fácil legislar a falta de educação, mas, o Sr. Presidente da Assembleia da República não pode esconder-se no argumento que a liberdade de expressão não pode ser limitada e que os portugueses, a seu tempo, condenarão nas urnas estes comportamentos. É altura de ter coragem de tirar a palavra a estes deputados e até de os mandar sair do plenário quando ofendem gratuitamente outros membros da Assembleia da República. É tempo também de todos os partidos que se sentem ofendidos deixarem de falar com o Chega, ignorar as suas intervenções e deixá-los a falar sozinhos. Tenham a coragem de quando cenas semelhantes se passarem abandonarem os seus lugares até que a ordem seja restabelecida. Nunca admirei a personalidade de Augusto Santos Silva e critiquei-o muitas vezes pela forma como lidou com André Ventura, mas a bondade e a pedagogia constante de Aguiar Branco já irritam, e pior, não funcionam. Estou prestes a concluir esta crónica profundamente irritado, como se diz por Trás-os-Montes, “não devemos gastar cera com ruins defuntos”, mas neste caso, é a única forma que tenho de ajudar a combater esta gente mal educada que não merece o reconhecimento que o povo português lhe decidiu dar. Não é pelo facto de ter escrito a palavra defunto que me lembrei de Pinto da Costa, que faleceu há poucos dias aos 87 anos. Nunca foi personalidade pela qual tive admiração, embora muitas vezes pelos caminhos errados, o F. C. Porto deve-lhe “quase” tudo aquilo que é hoje. Também nem sempre da forma mais correta nem com as palavras mais certas combateu aquilo que ele chamava de “centralismo de Lisboa”. Aquela história de “querer ver Lisboa a arder” é ao que parece um boato. Pinto da Costa provou que não é preciso incendiar nada para erguer a nossa voz e mostrar a nossa força. Há trinta ou quarenta anos Portugal era Lisboa, e o resto paisagem. Hoje, ainda é em Lisboa que se tomam as grandes decisões, mas o resto do país já percebeu que isso não é motivo para se sentir menos importante ou menos capaz. Até as pequenas terras já provaram que não precisam da capital para se sentirem, e serem o centro do mundo.


Crónica publicada na edição 496 do Notícias de Coura, 25 de fevereiro de 2025



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