terça-feira, 28 de maio de 2024

É tudo gente que não interessa.

É rara a semana em que não nos chegam nas notícias de vários canais televisivos, em particular da CMTV, casos de violência doméstica, muitos deles com desfechos trágicos. Nos últimos dias a comunicação social foi brindada com um caso particularmente relevante, não pela gravidade e pertinência do tema, mas pelos intervenientes envolvidos. José Castelo Branco, personagem difícil de caraterizar, foi acusado de ser violento com a sua esposa, uma senhora de noventa e cinco anos de idade, americana multimilionária com a qual se casou há trinta anos. Desde que a senhora foi internada por ter caído da escada, (segundo ela ter sido empurrada), têm nascido casos e casinhos, quais cogumelos a brotar numa floresta tropical! Há ex-empregadas que dizem agora que os maus-tratos não são novidade; há inquilinos que falam em esquemas de burla no aluguer da mansão da senhora, ex-amigos que falam que toda a vida do casal é uma peça de teatro, e até agora se descobre que a senhora Betty Grafstein tem uma dívida à autoridade tributária. Mais uma vez me apetece repetir palavras ainda escritas na anterior crónica: “Isto é tudo gente que não interessa”. Ainda assim, abrem noticiários, alimentam entrevistas, fazem capas de revistas e até me servem a mim para escrever algumas linhas de texto.

Entretanto, há um país para governar, há problemas importantes a resolver, os portugueses foram a votos para que muitos dos seus problemas sejam resolvidos. O governo está em funções há um mês e ainda não fez quase nada. Lamentável. O que nos vale é que temos alguma oposição a pegar nas rédeas da governação. Ver o Chega a votar as propostas do PS é algo perfeitamente normal. É assim a democracia, os partidos são livres de votar de acordo com as suas propostas. Naturalmente que se o Chega se abstiver para aprovar propostas da AD toda a esquerda verá nisto uma perigosa coligação de direita! Achei imensa piada quando o governo aprovou um aumento extraordinário do complemento solidário para idosos. O PS e o BE vieram logo dizer que é uma medida boa, e que estava nas suas propostas de governo, o Chega critica-a dizendo que também estava no seu programa, mas que esta fica aquém da sua, até o PCP a aprova, mas dizendo que fica a meio caminho da sua. Que forma engraçada de fazer política, critica-se aquilo que não se gosta, e daquilo que se gosta diz-se ser ideia nossa! Já estou a imaginar o que alguns partidos dirão quando o governo anunciar o local para a construção do novo aeroporto de Lisboa. Se o novo aeroporto vier a ser em Bragança, obviamente que a ideia original foi dos Gato Fedorento! A cereja no topo do bolo da política nacional dos últimos dias parece-me ser o projeto de deliberação entregue pelo Chega no Parlamento e que requer a abertura de um processo contra o Presidente da República pelos crimes de traição à pátria. Já tive oportunidade de me pronunciar sobre este assunto, mas esta ação do Chega, aliás, de André Ventura, é um absurdo e uma perda de tempo e recursos daquilo que deveria ser o trabalho da Assembleia da República.

Nos últimos dias chegou-nos também a notícia de um acordo de cooperação militar entre a Rússia e São Tomé e Príncipe. Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao seu estilo, resolveu desde logo afirmar querer conhecer o documento. Na resposta, o 1.º Ministro de São Tomé afirmou que o seu executivo “não precisa de Portugal para se relacionar com a Europa.” Enquanto isto, Putin às tantas nem sabe onde fica São Tomé nem Portugal, mas continua a colecionar aliados. Para respeitar o título da crónica, não vou escrever mais nada sobre estas três personagens.

Um último parágrafo sobre futebol. O Sporting foi um justíssimo campeão, a equipa na qual apostei as minhas fichas! (Na verdade apenas apostei dois euros, ganhei dezasseis.) O meu Chaves foi justamente despromovido à segunda liga, entristece-me, mas quem joga tão mal não merece estar na primeira liga. A época termina com mais buscas às claques do Futebol Clube do Porto, gente que não trabalha, exibe sinais de riqueza e está decerto envolvida em negócios ilícitos. Esta gente faz também jus ao título da crónica.

Crónica publicada na edição 479 do Notícias de Coura, 21 de maio de 2024




domingo, 12 de maio de 2024

Adeus Senhor Presidente.

Foi uma surpresa pelos números, não pelo resultado. Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto nos últimos quarenta e dois anos, perdeu as eleições para a presidência do clube para André Villas-Boas. Ao obter apenas dezanove por cento dos votos, Pinto da Costa percebeu finalmente que os sócios quiseram vê-lo afastado dos destinos do clube. É triste que ninguém tenha colocado juízo a um homem de oitenta e seis anos, que já há muito devia ter deixado o cargo. Podia ter saído em ombros, acabou por sair pela porta dos fundos. Por mais palmas que lhe batam, por mais agradecimentos que lhe façam, o que está nas bocas do mundo é a estrondosa derrota. Não tenhamos dúvidas que dificilmente voltará a existir um presidente tão titulado no mundo, mas dificilmente um presidente voltará a estar tantos anos no cargo. (Talvez na Rússia isso possa acontecer, Putin governa há vinte e quatro anos, faltam dezoito para os quarenta e dois, como tem setenta e um anos de idade só precisa de aguentar vivo até aos oitenta e nove.) Mais do que livrar-se de Pinto da Costa, os sócios do Porto quiseram ver-se livres da quantidade de pessoas pouco aconselháveis que o rodeavam, que lhe davam apoio e os quais apoiava e defendia. Fernando Madureira foi preso, mas a claque não ficou sem líder, Bruno Pidá assumiu o lugar, um homem condenado em dois mil e dez a vinte e três anos de prisão por homicídio qualificado, e que está desde o ano passado em liberdade condicional. Como dizia o meu amigo Bruno Cerqueira, meu colega professor em Coura: “Isto é gente que não interessa!” Como adepto de futebol, e até como simpatizante do Porto, é com alegria que escrevo: “Adeus Senhor Presidente”!

Como este título me permitiu escrever apenas cerca de vinte linhas, e como preciso de pelo menos mais trinta para que esta crónica tenha o tamanho mínimo aceitável para ser publicada, eis que me surge uma ideia “maquiavélica”! E se numa mesma crónica, eu tivesse a ousadia de me despedir não de um, mas de dois presidentes!? E embora eu tenha feito uma espécie de promessa de me manter afastado da política, e ter feito um esforço enorme nas duas últimas duas crónicas para a cumprir, está na hora de assumir que tenho de fazer uma pausa na promessa. Compreenderão certamente que a culpa não é minha, a atualidade assim o exige, e tenho de o fazer já antes que novos disparates aconteçam e façam este ficar esquecido.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, por mais que se tente compreender a forma diferente de exercer a Presidência, por mais que se admire a sua atitude de estar com o povo, por mais que se compreenda a sua dificuldade em despir a pele de comentador que fala quase todos os dias sobre tudo e sobre nada, não são compreensíveis as declarações que fez durante um jantar com os correspondentes estrangeiros em Portugal. Sobre o atual 1.º Ministro Luís Montenegro, disse que “é uma pessoa que vem de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais"; sobre o ex-1.º Ministro António Costa afirmou “ser lento, por ser oriental”; sobre a Procuradora-Geral da República disse ter tido “um ato "maquiavélico durante a Operação Influencer”. Se isto fosse num jantar entre amigos ainda se compreendia, mas assim, pode não ser falta de educação, mas é certamente falta de bom senso, muita falta de bom senso. Mas pior, bem pior, foi dizer que “Portugal deve pagar pelos crimes de escravatura”. Como Senhor Presidente? Quer apagar quinhentos anos de história? Acha que devemos apagar dos livros a escravatura e o colonialismo? Devemos pagar às ex-colónias quanto? E aos milhares de portugueses que perderam a vida na guerra colonial? E aos que ficaram deficientes para o resto da vida? E aos que perderam anos de vida numa guerra para onde iam obrigados? Não me vou prolongar mais, esta coisa de se querer apagar o passado desta forma irrita-me. Talvez seja por ter nascido numa ex-colónia. Talvez seja por já ter nascido depois de abril de 74.

Mas foi para isto que abril se fez, para eu poder achar absurdas as declarações do Presidente da República do meu país, para eu poder desejar que chegue rapidamente o dia em que eu possa dizer: “Adeus Senhor Presidente”.


Crónica publicada na edição 478 do Notícias de Coura, 8 de maio de 2024