segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Vai para a tua terra.

Nasci em Angola uns meses depois da revolução de abril de 1974. Fiz, juntamente com os meus Pais, parte dos milhares de retornados que tiveram de voltar à metrópole. Como nasci branco, nunca ninguém me mandou para a minha terra.

Esta crónica, escrita ainda antes da anterior ser publicada, vem da minha necessidade de exteriorizar a minha revolta e indignação contra certa gente que não merece o mínimo de consideração nem respeito. Há uns dias, na Assembleia da República, a deputada do PS Eva Cruzeiro acusava o Chega de ser um partido racista. Zangados por terem de ouvir algumas verdades, os deputados do Chega começaram a berrar*, e como é normal, nos momentos de mais tensão e nervosismo as pessoas mostram aquilo que verdadeiramente são, não é, portanto, de admirar que o deputado Filipe Melo tenha gritado: “Vai para a tua terra.” Obviamente que o fez porque Eva Cruzeiro não é branca. Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, insurge-se por ser chamado de racista e na sua intervenção chama vigaristas aos deputados do PS. Se dúvidas houvesse que o Chega é um partido racista, este é um exemplo claro do tipo de gente que se senta na Assembleia da República. Legitimamente eleitos é certo, o que só prova que em Portugal há racismo, e não é pouco. O crescimento da votação no Chega e a popularidade do seu líder são a prova disso, aquilo que as pessoas conhecem das propostas do Chega é que “vão cortar os subsídios aos ciganos, vão correr com os pretos e com os indianos prá terra deles”. Isto ouvi eu, ninguém me contou, várias vezes, em cafés, na rua e até na escola. Até a alguns alunos brasileiros que falam do Ventura como a salvação, só porque ele não gosta dos ciganos e dos Indianos. E eles, alguns até com os documentos de permanência em Portugal expirados, ficam admirados quando lhes digo: “Fazes muito bem, defende-o com unhas e dentes, mas vai preparando as malas porque se ele chega ao poder, vais de volta num contentor.” (Este é o meu lado irónico, os alunos percebem e até gostam de ouvir estas verdades.) Gostava muito de combater o Chega falando das suas ideias para a economia, a educação, a saúde, a justiça e outras áreas, mas não é fácil!

O mais lamentável de tudo, é que isto se passe na casa da democracia, e por culpa da falta de coragem do seu presidente, José Pedro Aguiar Branco, de impor limites à linguagem desta gente. Quem conduz os trabalhos na Assembleia da República tem o poder e o dever de fazer cumprir o seu regimento, que é claro quando diz que “O Presidente pode retirar a palavra a um orador que se torne injurioso ou ofensivo”. Infelizmente, o conceito de liberdade de expressão de Aguiar Branco aceita o desrespeito e a má educação como uma coisa normal. Nunca pensei escrever isto, mas já começo a ter saudades de Augusto Santos Silva.

Aconteceu também há dois ou três dias: uma grávida que tinha vindo da Guiné-Bissau, e não foi acompanhada no Serviço Nacional de Saúde durante a gravidez, faleceu. Um dia depois o bebé também perdeu a vida. André Ventura, não tem o mínimo de vergonha na cara para usar o caso e pedir a demissão da Ministra da Saúde. Se tudo tivesse corrido bem e a senhora estivesse à porta da Segurança Social, André Ventura mandava-a para a terra dela, e acusava-a de só ter vindo para Portugal para dar à luz e gastar o dinheiro dos portugueses. Assim, até nem se importa com a sua cor e finge lamentar a situação.

Vou fazer um esforço para deixar de escrever sobre este partido, se por um lado sei que lhe estou a dar palco e atenção, por outro, é difícil deixar de exprimir indignação perante tais comportamentos. Está feito o desabafo. Está escrita a crónica uma semana antes do prazo. O que dá imenso jeito, sabem porquê? No próximo fim-de-semana vou para a minha terra!

* "Berrar" significa gritar ou falar muito alto, muitas vezes com raiva ou intensidade. Deixo esta nota não vá alguém sentir-se ofendido e pensar que eu estou a fazer alguma alusão à frase “Quem berra são as cabras.”


Crónica publicada na edição 513 do Notícias de Coura, 18 de novembro de 2025




terça-feira, 11 de novembro de 2025

Chega, Burca e Benfica

Escrevi a última crónica antes do dia das eleições legislativas. Tal como referi na mesma, só me preocupavam os resultados de três freguesias, e em todas elas as minhas previsões se comprovaram. Foi mesmo por distração que me esqueci de mencionar o município onde trabalho, o Montijo. Na noite das eleições estava apenas preocupado com o resultado de uma Junta de Freguesia, onde o candidato por um Movimento Independente era (é) meu colega de trabalho e no qual deposito grande confiança. É um jovem cheio de vontade de trabalhar e com uma capacidade de iniciativa, nomeadamente através do associativismo, que nunca vi em lado algum. Embora me tenha lembrado ao final da tarde e enviado uma mensagem de boa sorte na contagem dos votos, só me voltei a lembrar do Montijo quando lá para as onze da noite, oiço o Ricardo Costa na SIC Notícias dizer que o “o Montijo está prestes a virar para o Chega.” Passou-me imediatamente o sono, entre mensagens e consultas a sites e a várias redes sociais, só me fui deitar às tantas, quando a contagem acabou e o Montijo permanecia em mãos democratas. Não estranho o facto de o Chega ter muita votação, o que eu acho incompreensível é que muitos dos seus apoiantes, e alguns nem sequer votam, são imigrantes, aqueles que o partido de André Ventura diz serem necessários para trabalhar e que são bem-vindos se vierem por bem, mas que faz tudo para lhes fechar a porta e se possível, despachá-los de volta ao seu país. (Eu também considero há muito que tem de haver limites à entrada de estrangeiros, e acima de tudo não permitir que vivam em condições desumanas, mas alinhar no discurso da extrema-direita é inaceitável).

A proibição da burca, e outros disfarces parecidos, já há muito deveria estar legislada no nosso país, não havia necessidade de esperar tanto tempo para agora dar o mérito da medida ao partido Chega. Mais do que uma veste religiosa, a burca é, tal como uma máscara de Carnaval, uma forma de ocultação do rosto, colocando em causa a segurança e identificação do seu portador em locais públicos. Irrita-me ouvir na televisão algumas mulheres afirmarem que essa proibição é uma limitação da sua liberdade, não será maior limitação a sua obrigatoriedade, proibindo-lhes mostrar o rosto? (na verdade elas andam de burca por obrigação, não por vontade). Imaginem só que uma mulher, fazendo valer o seu direito de usar a burca, vai assim vestida fazer o exame de condução, ou até um exame de acesso à Universidade. Será mesmo ela que está por detrás das vestes!? Quando visitam determinados países as mulheres europeias têm de tapar o cabelo, se temos de respeitar os costumes desses países, é justo que também respeitem os nossos. Obviamente que o partido Chega, à boleia da burca e da ideia de garantir a segurança, quer é fazer um ataque a determinados povos. O Chega continuará a fazer aquilo que os eleitores lhe permitirem. (A democracia tem destas coisas). Aliás, é pelo facto de a democracia ser o que é, que André Ventura tem o direito de dizer que “eram necessários 3 Salazares neste país”, tivesse ele sofrido o que muitos portugueses sofreram, não seria tão saudosista. Gente com a idade de André Ventura só fala com saudade dos tempos da ditadura se for esse o regime que ambiciona para o futuro.

A primeira volta das eleições do Benfica bateu o recorde mundial de número de votantes, foram mais de oitenta e cinco mil sócios que exerceram o seu direito! Segundo uma notícia do observador, “o Benfica teve mais votantes do que 98% dos municípios na autárquicas”! Para aqueles que ainda têm a ousadia, ou desfaçatez, de questionar a grandeza do Benfica, esta é mais uma prova da grandeza do clube, e mais uma prova de que no nosso país, o futebol interessa muito mais ao povo que a política. Os portugueses esperam horas na fila para votar no Benfica, esperam horas para entrar para um concerto musical, para um último adeus a uma figura conhecida e também para uma celebração religiosa. Quantos de nós esperariam três ou quatro horas para votar numas eleições legislativas? (Preparava-me para dizer que eu não, mas depois lembrei-me que já em tempos fiz mais de 500km para votar em José Sócrates!)

Crónica publicada na edição 512 do Notícias de Coura, 4 de novembro de 2025






segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Políticos inúteis.

Não posso deixar de pedir desde já desculpa aos políticos que ficaram indignados com o título desta crónica, e são em grande número uma vez que este é um jornal de Coura, uma terra que me permitiu conhecer alguns que me fizeram ter a certeza de que de facto “os políticos não são todos iguais”. Ao mesmo tempo, este é um título que agarra logo nos leitores, há tanta gente que adora falar mal dos políticos que por momentos se esquecem que são eles que os elegem (eles não, nós, pois também eu já ajudei a eleger alguns que não o mereciam).

Esta crónica vai ser publicada uma semana depois das eleições autárquicas, mas está a ser escrita uns dias antes, pelo que as minhas palavras não terão qualquer influência na intenção de voto de ninguém. Além do mais, o resultado destas eleições só me interessa em duas ou três freguesias: Vilarandelo, em Trás-os-Montes, onde espero que a junta se mantenha entregue a quem tratou de arranjar o caminho para a casa dos meus Pais; Samouco, onde resido, e onde o atual elenco camarário tem alcatroado muitas das estradas que uso, inclusive até à minha porta, e apesar de estar zangado com o partido em termo nacionais, votarei certamente de forma útil, também para ajudar a que determinado partido de extrema-direita não pense que é maior do que aquilo que infelizmente já é; e depois Coura, onde naturalmente a autarquia continuará muito bem entregue, na talvez única autarquia nacional que tem a ousadia de estabelecer como prioridades a educação e a cultura.

Introdução feita, está na hora de bater nalguns políticos, daqueles que me apetece incluir no grupo de “gente que não interessa”!

Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda e deputada única do partido, embarcou numa flotilha humanitária a caminho de Gaza. A acreditar nas intenções da mesma, o objetiva é levar ajuda humanitária, alimentos, medicamentos e outros bens essenciais. Afirmam também querer chamar a atenção do mundo para o genocídio que se está a viver na Palestina. Não é necessária nenhuma flotilha para tudo isto, eu até louvo a intenção, mas é óbvio que o que procuram é mediatismo e tempo de antena. Todo o mundo sabe que o ataque do Hamas a Israel a 7 de outubro é inqualificável; todo o mundo sabe que o Hamas é um grupo terrorista que usa o povo como escudo e que é urgente eliminar; todo o mundo sabe que por mais que haja acordos de paz, o Hamas nunca vai deixar de existir e lutar pela sua pátria (embora o faça de forma deplorável); mas também todo o mundo sabe, ou devia saber, que o ataque do Hamas serviu de pretexto a Israel para tentar acabar de vez com a Palestina, para tentar ocupar definitivamente uma terra que nunca lhe pertenceu.

Embora Mariana Mortágua não mereça grandes aplausos pela atitude, Nuno Melo, Ministro da Defesa, merece ainda menos pelas declarações proferidas sobre a mesma. Mesmo tendo alguma razão quando diz que foi um gesto panfletário, é absurdo dizer que os ativistas foram em direção à Faixa de Gaza para defender um grupo terrorista e que ele prefere estar ao lado da democracia e da liberdade. É triste saber que um ministro de Portugal está ao lado de Israel, na sua demanda pela ocupação total definitiva da palestina e pela eliminação do seu povo, pois é isso que Israel sempre pretendeu. Não nos devemos surpreender, este é o ministro que afirmou há tempos que “Olivença é nossa.” Nas palavras de um comentador, “Isto é Nuno Melo, a ser Nuno Melo.” É o preço que o PSD paga pela formação da AD, e por ter de dar uns lugares de destaque ao CDS-PP.

Para terminar, não posso deixar de aproveitar a atribuição do prémio Nobel da Paz à líder da oposição da Venezuela, Maria Corina Machado, para trazer à crónica o político mais inútil de todos os tempos. Donald Trump passou semanas a afirmar que o prémio teria de lhe ser atribuído, que só ele o merecia pois já teria acabado com inúmeras guerras. Consegue ser ainda mais ridículo quando afirma que Corina Machado lhe ligou a dizer que aceita o prémio em sua homenagem. Mas será que não há ninguém com coragem suficiente para chamar mentiroso a Donald Trump?

Crónica publicada na edição 511 do Notícias de Coura, 21 de outubro de 2025





terça-feira, 14 de outubro de 2025

A tasca das gravatas

Em maio de 2016 escrevi uma crónica intitulada “O circo das gravatas!” Os deputados brasileiros votavam o impeachment à Presidente Dilma Rousseff, e eu admirava-me com as intervenções absurdas de alguns deles. Nos últimos dias estive atento a algumas das intervenções dos deputados portugueses na Assembleia da República, enquanto no Brasil dá vontade de rir, aqui entre nós a situação só pode envergonhar quem se der minimamente ao respeito. Alguns deputados que estão na nossa Assembleia da República têm comportamentos que estão ao nível das tascas mais brejeiras e mal frequentadas que possamos imaginar. Como portugueses temos mesmo de olhar para tudo isto e ter consciência que é esta gente que nos representa e que toma decisões que influenciam a nossa vida. É nestas alturas que eu percebo as razões que levam muita gente a abster-se e a não votar.

Começo pelo desagradável momento em que o deputado Filipe Melo do Chega envia beijinhos à deputada do PS Isabel Moreira, escrevi desagradável porque me pareceu a palavra mais suave para substituir todas aquelas que me vieram à cabeça: nojento, asqueroso, repugnante e imundo. Situação absolutamente vergonhosa, um vice-presidente da Assembleia da República, em plena sessão de trabalho a ter um comportamento daqueles. Comparado a isto, os corninhos que Manuel Pinho fez em 2009 eram uma mera brincadeira. Nessa altura os ministros demitiam-se por coisas assim, nos dias de hoje, não há vergonha, tudo se pode fazer na mais inaceitável impunidade. Já na anterior legislatura tinham vindo a público algumas das frases com que os deputados do Chega brindavam as deputadas assumidamente lésbicas: ou lhes chamavam vacas ou mugiam à sua passagem. Numa outra altura, a deputada Rita Matias chamou “senil” à deputada socialista Edite Estrela. Quando o Presidente Brasileiro Lula da Silva discursou na Assembleia da República, os deputados do Chega protestaram energicamente, batendo com as mãos nas mesas e mostrando cartazes onde se podia ler: “Chega de corrupção.” Rita Matias tinha um cartaz diferente, dizia “Lugar de ladrão é na prisão.” Estaria já a adivinhar o futuro do amigo Bolsonaro!? Há cerca de um ano o Chega protagonizou outro momento lamentável quando pendurou tarjas de protesto nas janelas da Assembleia da República. Em todos estes momentos de desrespeito pela instituição há um denominador comum, o partido que se diz de fora do sistema, e que afirmou querer implodir com o mesmo. Alguém tem de ter mão nesta gente, sob pena de tornar a Assembleia da República um local pouco aconselhável para se frequentar. (Há muitos anos fui com alguns alunos visitar o trabalho dos deputados, atualmente seria incapaz de o fazer, se eles vissem aqueles comportamentos eram bem capazes de achar que os podiam replicar na sala de aula.) Já esta crónica estava alinhada quando mais um momento hilariante acontece: Pedro Frazão, do Chega, acusa Hugo Soares de o ameaçar com porrada, quando na verdade o que ele lhe queria dar era a morada! Estas situações têm muito mais piada no parlamento japonês, quando os deputados se zangam partem mesmo para o confronto físico.

Em todos os locais de trabalho há momentos que podem ser divertidos e descontraídos, mas nunca atingir o limite da falta de educação. Paulo Núncio, deputado do CDS e defensor da tourada, foi colhido por um bezerro em Vila Franca de Xira. Dias depois, quando começava a sua intervenção na AR foi brindado pela oposição com um sonoro “Olé!”. O próprio Paulo Núncio riu-se com a situação, e os trabalhos continuaram normalmente. Saber fazer humor de forma inteligente não está ao alcance de todos.

Já basta de coisas tristes e feias, está na fora de terminar este texto e quero fazê-lo com algo extraordinário, a capa da última edição do Notícias de Coura dava destaque às meninas que são o vosso orgulho: o Coura Voce. Quando penso nalgumas coisas que Coura tem, especialmente nas áreas da educação e da cultura, lembro-me daquela canção que certamente conhecem: “O que é que Coura tem, tem tudo como ninguém!”



Crónica publicada na edição 510 do Notícias de Coura, 7 de outubro de 2025



terça-feira, 30 de setembro de 2025

O Elevador sem glória.

Uma das mais emblemáticas atrações turísticas da cidade de Lisboa foi palco de uma tragédia. O Elevador da Glória soltou-se do cabo que o segurava e só parou quando embateu num prédio, morreram dezasseis pessoas. Que o problema foi do cabo deu logo para perceber, bastava ver as imagens dos técnicos que seguravam um cabo de aço completamente estilhaçado. Soube-se nos últimos dias que o atual cabo já não era totalmente em aço, mas tinha o interior em plástico. Apetecia-me escrever nesta crónica que não lembra a ninguém, nos dias de hoje, com tanta tecnologia à disposição e com sistemas de segurança tão avançados, ainda ter um sistema destes em funcionamento, ou seja, duas cabines presas por um cabo e que quando uma sobe a outra desce. Que coisa tão atrasada, pensei. Mas agora, sou quase obrigado a admitir que funcionava, e era seguro há mais de cem anos, ao que parece só falhou quando resolveram substituir o cabo por um mais barato, perdão, por um cabo mais leve. Imperdoável é mesmo assim saber-se que o travão operado pelo guarda-freios era meramente decorativo e nunca teria sido capaz de evitar a tragédia, ainda que o cabo fosse extremamente seguro, tinha de haver uma solução para se um dia ele falhasse.

Como em todas as tragédias, por mais respeito que os políticos tenham nas primeiras horas não conseguem por muito mais tempo deixar de aproveitar o momento para tirar dividendos políticos. Obviamente que iria ser pedida a demissão de Carlos Moedas e naturalmente que o caso iria ser comparado ao da demissão de Jorge Coelho. Nada que espante quem estiver atento ao que é a política atual. O que é certo é que passaram alguns dias, e já pouco se fala sobre o assunto, ele voltará ao debate na campanha das legislativas, as televisões voltarão a convidar para o debate os especialistas do costume quando for publicado o relatório oficial das causas do acidente e poderá ser o acontecimento que ditará a derrota nas eleições de Carlos Moedas. Daqui a algum tempo, a tragédia só será lembrada pelos familiares e amigos daqueles que perderam os seus entes queridos.

E porque não quero só falar do Elevador da Glória, eis que outro elevador me parece completamente descontrolado, embora este pareça que está a subir. O Chega aparece à frente numa das últimas sondagens publicadas. André Ventura parece descontrolado com tamanha boa notícia, parece que já nem dorme, deve trabalhar nas vinte e quatro do dia, e talvez outras tantas durante a noite! Fala sobre tudo e sobre nada, está em todo o lado, e prepara-se para ser de novo candidato à Presidência da República.

O Chega é André ventura, e a única forma do partido não ter uma votação triste e conseguir mobilizar os eleitores é ser Ventura o candidato. Obviamente que ele não quer ganhar, quer apenas ir à segunda volta para depois obrigar todos os outros a votar contra e vitimizar-se. Imaginem que na segunda volta tínhamos Ventura e Marques Mendes! Lá teria a esquerda de apelar ao voto no homem do PSD! E se fosse Ventura e Seguro? O PSD estaria em apuros, decerto iria dar liberdade de voto aos seus eleitores para não irritar Ventura. Se Ventura for à segunda volta com Gouveia e Melo, será a esquerda a colocar um militar em Belém. Avizinha-se um combate interessante, e mais uma vez a divisão de candidatos à esquerda pode ser decisiva, bem como a indecisão do PS em apoiar António José Seguro. Há quem diga que a melhor forma de acabar com o Chega é eleger Ventura para Presidente! Valerá a pena correr o risco!? Estarão os portugueses loucos a este ponto!? (Os brasileiros elegeram Bolsonaro, e os Americanos, Trump… duas vezes). Querer acabar com o Chega é uma maldade dizia há dias um humorista, “é que aquilo é uma fonte rica em piadas e patetices!” E agora, até o seu líder já não se fica só pelas mentiras como inventa coisas no mínimo absurdas e ridículas, aquela história do Presidente da República ir a um festival de hambúrgueres é do mais patético que já se ouviu. O pior, é que há povo que acredita e acha muito bem.

Num país assim, mais vale ir pela escada que apanhar o elevador.

Crónica publicada na edição 509 do Notícias de Coura, 23 de setembro de 2025





domingo, 14 de setembro de 2025

Parecemos um país do 3.º mundo.

Acabaram as férias. Para nós professores o trabalho começa a 1 de setembro, embora o povo pense que só vamos trabalhar quando as crianças vão para a escola. (E não escrevo “povo” com nenhum tipo de desconsideração, a minha própria mãe me perguntou o que vou fazer agora para a escola se as aulas só começam a meio de setembro!) Voltam as obrigações, levantar cedo para ir trabalhar, preparar aulas e trabalhos para as crianças, corrigir os mesmos, voltam as imensas reuniões de trabalho…. voltam as crónicas para o Notícias de Coura. Parece que estou chateado e por isso o título da crónica, mas não é verdade, já estava pronto há mais de um mês, já tinha os dois temas escolhidos, era só preciso aprofundá-los. Assim explicado até parece fácil.

Um dia destes, no Carregado, uma mãe entrou em trabalho de parto, o serviço SNS 24 aconselhou-a a dirigir-se ao hospital de carro, apesar de ser uma doente de risco. A demora foi tanta que a criança acabou por nascer na rua com a ajuda dos avós. A primeira ambulância que chegou tinha o pneu furado, depois lá foi chamada outra que serviu apenas para conduzir ao hospital a mãe e a criança recém-nascida. Apuradas as responsabilidades chegou-se à conclusão de que houve uma falha humana, o técnico do serviço telefónico foi o culpado. Felizmente correu tudo bem, caso tivesse corrido mal o responsável seria o trabalhador precário, provavelmente subcontratado e sem a formação adequada e que se exige para questões de saúde, questões de vida ou morte. A saúde é o que é em Portugal, tem profissionais excelentes, mas continua a não ter a necessária e merecida consideração que devia do governo, deste governo e de todos os que o antecederam. (Esta é a opinião que tenho daquilo que vou lendo e ouvindo, felizmente para mim, só tenho a dizer bem do serviço nacional de saúde, até agora. Espero nunca ter destes azares.)

Até ao dia 23 de agosto tinham ardido este ano em Portugal cerca de 250 mil hectares de terrenos, florestais e agrícolas. Pior, só no trágico ano de 2017. Infelizmente. Nada disto me admira. Se há coisa habitual no nosso país no verão são as festas populares e os incêndios. E é assim desde que me lembro, há vinte ou trinta anos que isto acontece, nuns anos mais, noutros anos menos, mas nunca os incêndios deixaram de ser uma das tragédias que afeta o nosso país no verão. O que me faz ficar perplexo é como é que países como Marrocos e a Grécia tem dezenas de aviões de combate aos fogos, e Portugal não tem nenhum. Parece que o Estado Português já comprou dois Canadair, um chega em 2029 e outro em 2030. Como é possível só agora se terem lembrado disto? Como é possível que ainda não tenham adaptado alguns aviões da força aérea para o combate aos fogos? Estarei eu a dizer alguma coisa tão inteligente e óbvia que ainda ninguém se tenha lembrado? Obviamente que não, os incêndios nunca irão acabar porque não interessa que acabem. Não estou a insinuar nada, mas o que seria da vida das empresas de aluguer de aviões de combate aos fogos, das empresas de venda e adaptação de carros de bombeiros, das empresas de venda de equipamento e ferramentas de combate aos fogos, e muitas outras? Seriam muitos negócios em crise, há anos e anos que a conversa é a mesma no final do verão e depois fica esquecida até à próxima época de incêndios.

Mesmo já não tendo espaço para os desenvolver, deixo aqui mais dois assuntos que podem vir a causar embaraços internacionais preocupantes. Marcelo Rebelo de Sousa voltou a vestir o fato de comentador e apelidou Trump de Ativo soviético, e Mariana Mortágua juntou-se a Greta Thunberg e vai a caminho de Gaza numa flotilha de ajuda humanitária. Israel prepara-se para deter todos os ativistas acusando-os de terrorismo. Obviamente que o título é exagerado, os verdadeiros países do 3.º mundo seriam muito felizes se os seus problemas fossem os nossos. Na verdade, nem se devem comparar os países, todos são diferentes, todos têm caraterísticas próprias, problemas específicos e histórias incomparáveis. Aquilo que temos obrigação é de olhar para o nosso país e ser capazes de ter consciência das falhas e das nossas limitações, e devemos combater a vergonha que sentimos com a força de exigir a quem nos governa uma mudança de atitude. O que me assusta, em Portugal, é as escolhas que ultimamente têm sido feitas.


Crónica publicada na edição 508 do Notícias de Coura, 8 de setembro de 2025



terça-feira, 19 de agosto de 2025

Barracas, Cidadania, Centeno e Félix.

Barracas: Ainda me lembro de chegar a Lisboa de carro no início da década de noventa e ver centenas de barracas à entrada da capital. Lembro-me de achar curioso ver estacionados alguns Mercedes e Volvos à porta e de ver muitas antenas parabólicas, como era uma criança ficava na inocência não fazendo naturalmente segundas leituras. No final dessa década, João Soares prometeu acabar com as barracas e, mal ou bem, foram demolidos os principais bairros de barracas da cidade. Desde essa altura, não me lembro da televisão portuguesa se ter dedicado ao tema como o fez nos últimos dias a propósito da demolição de barracas em Loures. Quando vi as primeiras notícias fiquei triste, não se devia demolir aquelas barracas, que para muitas daquelas pessoas eram o seu único lar, o único teto para se abrigarem, o único espaço para guardarem os seus poucos pertences. Mas é importante ouvir todas as partes, pelos vistos, a muitas daquelas pessoas foram oferecidas alternativas que não foram aceites, algumas das pessoas indignadas são os artistas que comercializam as barracas a dois ou três mil euros, e é preciso também ter respeito pelos vizinhos que têm lá perto casas devidamente legalizadas, e a quem a luz é desviada, ficando sem um serviço pelo qual pagam. Como disse um dia Jaime Pacheco, um dos mais divertidos treinadores de futebol portugueses, “Isto é uma faca de dois legumes!” O que não faz sentido, é em 2025 existirem barracas, num país onde poderiam estar a entrar quarenta milhões de euros por dia provenientes do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Com o dinheiro de uma semana, faziam-se casas para 3000 famílias, (como disse um dia António Guterres: “É fazer as contas.”)

Cidadania: De um dia para o outro, anda meio país indignado com a alteração de algumas aprendizagens da disciplina de Cidadania. Como se a mesma representasse um perigo para a formação das crianças, ou como se de repente, como já ouvi um “pateta” de um comentador dizer, “a gravidez na adolescência vai voltar a números preocupantes!” Haja paciência! Obviamente que se trata de uma questão ideológica, o governo teve de ceder a uma certa direita conservadora e puritana e fez uma limpeza a algumas das palavras, quais pecados perversos e perigosos! Abordar com as crianças o respeito nas relações interpessoais, no namoro, na não discriminação sexual, religiosa ou racial, o problema da violência doméstica, são tudo temas que os professores sempre souberam abordar, independentemente daquilo que está escrito nos papéis e nas orientações. E vão continuar a fazê-lo, bem.

Centeno: Mário Centeno não foi reconduzido como Governador do Banco de Portugal. A meu ver, bem. Não está em causa a sua competência técnica, mas obviamente o seu perfil político. Mesmo sendo um cargo de nomeação política, é importante que o governador tenha a isenção suficiente para o desempenhar, coisa que manifestamente não tem. Saiu do Governo diretamente para o cargo, e já no cargo, ponderou ser candidato a Presidente da República e, pior, mostrou-se disponível para substituir António Costa quando este se demitiu do governo. Agora que está livre, espero que não pondere ser candidato à Presidência da República e venha a agradar à parte do Partido Socialista que não quer apoiar António José Seguro.

João Félix: No dia em que a novela Gyökeres acabou, e quando as televisões tinham os seus comentadores embrenhados na novela João Félix, eis que entram em cena Cristiano Ronaldo e Jorge Jesus. Ao que parece, dois telefonemas bastaram para que o desejo de Félix de voltar ao Benfica se tenha esfumado. Foi um golpe duro nas ações de campanha que Rui Costa tem vindo a concretizar, mas não se deve fazer passar o jogador por mercenário ou traidor. João Félix talvez já tenha percebido que passou ao lado de uma carreira fenomenal de jogador, está na hora de garantir o seu futuro e da sua família para o resto da vida. Quem não o faria!? Até eu, que adoro ser Professor, era capaz de ir para as Arábias vender pastéis de nata se me acenassem com dois ou três milhões por ano. (Provavelmente até não ia, o médico mandou-me cortar com os bolos!)

Termina mais uma crónica dedicada a vários temas, vamos ver se as férias me fazem voltar com força e inspiração para escrever um texto inteiro sobre um só tema. Boas férias e bom festival!


Crónica publicada na edição 507 do Notícias de Coura, 5 de agosto de 2025