segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Vai para a tua terra.

Nasci em Angola uns meses depois da revolução de abril de 1974. Fiz, juntamente com os meus Pais, parte dos milhares de retornados que tiveram de voltar à metrópole. Como nasci branco, nunca ninguém me mandou para a minha terra.

Esta crónica, escrita ainda antes da anterior ser publicada, vem da minha necessidade de exteriorizar a minha revolta e indignação contra certa gente que não merece o mínimo de consideração nem respeito. Há uns dias, na Assembleia da República, a deputada do PS Eva Cruzeiro acusava o Chega de ser um partido racista. Zangados por terem de ouvir algumas verdades, os deputados do Chega começaram a berrar*, e como é normal, nos momentos de mais tensão e nervosismo as pessoas mostram aquilo que verdadeiramente são, não é, portanto, de admirar que o deputado Filipe Melo tenha gritado: “Vai para a tua terra.” Obviamente que o fez porque Eva Cruzeiro não é branca. Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, insurge-se por ser chamado de racista e na sua intervenção chama vigaristas aos deputados do PS. Se dúvidas houvesse que o Chega é um partido racista, este é um exemplo claro do tipo de gente que se senta na Assembleia da República. Legitimamente eleitos é certo, o que só prova que em Portugal há racismo, e não é pouco. O crescimento da votação no Chega e a popularidade do seu líder são a prova disso, aquilo que as pessoas conhecem das propostas do Chega é que “vão cortar os subsídios aos ciganos, vão correr com os pretos e com os indianos prá terra deles”. Isto ouvi eu, ninguém me contou, várias vezes, em cafés, na rua e até na escola. Até a alguns alunos brasileiros que falam do Ventura como a salvação, só porque ele não gosta dos ciganos e dos Indianos. E eles, alguns até com os documentos de permanência em Portugal expirados, ficam admirados quando lhes digo: “Fazes muito bem, defende-o com unhas e dentes, mas vai preparando as malas porque se ele chega ao poder, vais de volta num contentor.” (Este é o meu lado irónico, os alunos percebem e até gostam de ouvir estas verdades.) Gostava muito de combater o Chega falando das suas ideias para a economia, a educação, a saúde, a justiça e outras áreas, mas não é fácil!

O mais lamentável de tudo, é que isto se passe na casa da democracia, e por culpa da falta de coragem do seu presidente, José Pedro Aguiar Branco, de impor limites à linguagem desta gente. Quem conduz os trabalhos na Assembleia da República tem o poder e o dever de fazer cumprir o seu regimento, que é claro quando diz que “O Presidente pode retirar a palavra a um orador que se torne injurioso ou ofensivo”. Infelizmente, o conceito de liberdade de expressão de Aguiar Branco aceita o desrespeito e a má educação como uma coisa normal. Nunca pensei escrever isto, mas já começo a ter saudades de Augusto Santos Silva.

Aconteceu também há dois ou três dias: uma grávida que tinha vindo da Guiné-Bissau, e não foi acompanhada no Serviço Nacional de Saúde durante a gravidez, faleceu. Um dia depois o bebé também perdeu a vida. André Ventura, não tem o mínimo de vergonha na cara para usar o caso e pedir a demissão da Ministra da Saúde. Se tudo tivesse corrido bem e a senhora estivesse à porta da Segurança Social, André Ventura mandava-a para a terra dela, e acusava-a de só ter vindo para Portugal para dar à luz e gastar o dinheiro dos portugueses. Assim, até nem se importa com a sua cor e finge lamentar a situação.

Vou fazer um esforço para deixar de escrever sobre este partido, se por um lado sei que lhe estou a dar palco e atenção, por outro, é difícil deixar de exprimir indignação perante tais comportamentos. Está feito o desabafo. Está escrita a crónica uma semana antes do prazo. O que dá imenso jeito, sabem porquê? No próximo fim-de-semana vou para a minha terra!

* "Berrar" significa gritar ou falar muito alto, muitas vezes com raiva ou intensidade. Deixo esta nota não vá alguém sentir-se ofendido e pensar que eu estou a fazer alguma alusão à frase “Quem berra são as cabras.”


Crónica publicada na edição 513 do Notícias de Coura, 18 de novembro de 2025




terça-feira, 11 de novembro de 2025

Chega, Burca e Benfica

Escrevi a última crónica antes do dia das eleições legislativas. Tal como referi na mesma, só me preocupavam os resultados de três freguesias, e em todas elas as minhas previsões se comprovaram. Foi mesmo por distração que me esqueci de mencionar o município onde trabalho, o Montijo. Na noite das eleições estava apenas preocupado com o resultado de uma Junta de Freguesia, onde o candidato por um Movimento Independente era (é) meu colega de trabalho e no qual deposito grande confiança. É um jovem cheio de vontade de trabalhar e com uma capacidade de iniciativa, nomeadamente através do associativismo, que nunca vi em lado algum. Embora me tenha lembrado ao final da tarde e enviado uma mensagem de boa sorte na contagem dos votos, só me voltei a lembrar do Montijo quando lá para as onze da noite, oiço o Ricardo Costa na SIC Notícias dizer que o “o Montijo está prestes a virar para o Chega.” Passou-me imediatamente o sono, entre mensagens e consultas a sites e a várias redes sociais, só me fui deitar às tantas, quando a contagem acabou e o Montijo permanecia em mãos democratas. Não estranho o facto de o Chega ter muita votação, o que eu acho incompreensível é que muitos dos seus apoiantes, e alguns nem sequer votam, são imigrantes, aqueles que o partido de André Ventura diz serem necessários para trabalhar e que são bem-vindos se vierem por bem, mas que faz tudo para lhes fechar a porta e se possível, despachá-los de volta ao seu país. (Eu também considero há muito que tem de haver limites à entrada de estrangeiros, e acima de tudo não permitir que vivam em condições desumanas, mas alinhar no discurso da extrema-direita é inaceitável).

A proibição da burca, e outros disfarces parecidos, já há muito deveria estar legislada no nosso país, não havia necessidade de esperar tanto tempo para agora dar o mérito da medida ao partido Chega. Mais do que uma veste religiosa, a burca é, tal como uma máscara de Carnaval, uma forma de ocultação do rosto, colocando em causa a segurança e identificação do seu portador em locais públicos. Irrita-me ouvir na televisão algumas mulheres afirmarem que essa proibição é uma limitação da sua liberdade, não será maior limitação a sua obrigatoriedade, proibindo-lhes mostrar o rosto? (na verdade elas andam de burca por obrigação, não por vontade). Imaginem só que uma mulher, fazendo valer o seu direito de usar a burca, vai assim vestida fazer o exame de condução, ou até um exame de acesso à Universidade. Será mesmo ela que está por detrás das vestes!? Quando visitam determinados países as mulheres europeias têm de tapar o cabelo, se temos de respeitar os costumes desses países, é justo que também respeitem os nossos. Obviamente que o partido Chega, à boleia da burca e da ideia de garantir a segurança, quer é fazer um ataque a determinados povos. O Chega continuará a fazer aquilo que os eleitores lhe permitirem. (A democracia tem destas coisas). Aliás, é pelo facto de a democracia ser o que é, que André Ventura tem o direito de dizer que “eram necessários 3 Salazares neste país”, tivesse ele sofrido o que muitos portugueses sofreram, não seria tão saudosista. Gente com a idade de André Ventura só fala com saudade dos tempos da ditadura se for esse o regime que ambiciona para o futuro.

A primeira volta das eleições do Benfica bateu o recorde mundial de número de votantes, foram mais de oitenta e cinco mil sócios que exerceram o seu direito! Segundo uma notícia do observador, “o Benfica teve mais votantes do que 98% dos municípios na autárquicas”! Para aqueles que ainda têm a ousadia, ou desfaçatez, de questionar a grandeza do Benfica, esta é mais uma prova da grandeza do clube, e mais uma prova de que no nosso país, o futebol interessa muito mais ao povo que a política. Os portugueses esperam horas na fila para votar no Benfica, esperam horas para entrar para um concerto musical, para um último adeus a uma figura conhecida e também para uma celebração religiosa. Quantos de nós esperariam três ou quatro horas para votar numas eleições legislativas? (Preparava-me para dizer que eu não, mas depois lembrei-me que já em tempos fiz mais de 500km para votar em José Sócrates!)

Crónica publicada na edição 512 do Notícias de Coura, 4 de novembro de 2025