Falei de livros pela primeira vez na primeira crónica que escrevi para o Notícias de Coura, já lá vão mais de doze anos. Na altura era um prenúncio de que eles me podiam salvar quando tivesse dificuldade em arranjar assunto. Em 2023 dediquei-lhes uma crónica inteira, ousando dar a conhecer aos leitores alguns daqueles que me marcaram e ocupam um espaço importante da minha memória. Nas prateleiras, estão perdidos entre os mais de quatro mil que já habitam cá em casa. (Um exagero é verdade, obviamente que não os li todos, e provavelmente nem sequer o vou conseguir fazer até ao fim da vida, ainda por cima porque nunca se sabe quando ela se acaba.) Li há tempos, algures, qualquer coisa do género: “Para quê ter tantos livros? Para quê ler tantos livros se depois nos esquecemos das histórias de grande parte deles? Schopenhauer disse em tempos que “Seria bom comprar livros se pudéssemos comprar também o tempo para lê-los!” Provavelmente gastaríamos depois algum desse tempo a procurar e comprar mais livros! No meu caso, a sua companhia é extremamente agradável sente-se uma estranha paz rodeado pelo silêncio e pelo cheiro dos livros. E na sua leitura, viajamos para outras vidas e locais, na companhia de centenas de pessoas que jamais imaginámos conhecer.” Gosto imenso de passar horas em livrarias, especialmente em alfarrabistas e nunca saio de lá sem comprar pelo menos um livro. Pelo menos, pago pelo tempo que lá estive. Ler, é uma extraordinária terapia.
Uma das coisas que me dá um certo gozo é registar os livros que leio, embora só o faça desde 1999. Chego sempre ao final de cada ano com a certeza que podia ter lido mais, tanto em 2015 quando apenas li dois livros, como em 2023 em que atingi os cinquenta e cinco! Este ano estou preguiçoso, já estamos quase em abril e ainda vou no quarto livro. Há uns tempos recebi um deles pelo correio, uma gesto que apreciei. O livro chama-se “Armado em bom”, de Manuel Tinoco. Sim, esse mesmo, o Diretor do Notícias de Coura. Não tive de planear quando o começaria a ler, depois de o tirar do envelope comecei imediatamente. Gostei imenso, e não se trata de nenhum tipo de louvor ao “escriba”, como o Tinoco tanta vezes se intitula. Fez-me conhecer alguns dos momentos de uma vida que não foi decerto fácil, mas cheia de memórias, preenchidas de momentos, vivências e pessoas certamente marcantes. Lê-se no prefácio que Manuel Tinoco “Escreve para memória futura, dos que ainda cá estão e também dos que estarão quando muitos já não estiverem.” Escrever é isto mesmo, é guardar no papel aquilo de que a memória se pode um dia esquecer.
Enquanto escrevo esta crónica vou fazendo algumas paragens, a cada intervalo vou à sala e leio 10 ou 20 páginas de mais um livro que estou prestes a terminar. É uma leitura tão estranha, mas ao mesmo tempo tão fluída, que nem que vos queira dizer qual o livro, não me lembro, e também não me apetece levantar e ir ver o título! Coisa absurda pensarão vocês, talvez, mas eu só desisto da leitura quando ela é penosa. E agora que só me faltam dez ou doze linhas para terminar esta crónica não quero perder o ritmo. Mais do que ser salvo pelos livros, consegui fugir à tentação de escrever sobre política, sobre eleições, sobre casos e casinhos, sobre a guerra, ou sobre os absurdos de Donald Trump e do seu escudeiro Elon Musk. Não sei de aguentarei não voltar ao mesmo na próxima edição, vou tentar, mas por favor senhores políticos, não continuem a fazer coisas que não me deixem outra alternativa. Será para a próxima que escreverei sobre pessoas de Coura? Provavelmente. Só tenho um pequeno problema, é encontrar o papel onde em abril do ano passado anotei alguns nomes que fazem parte dessas minhas pessoas.
Ah, já sei, guardei-o no meio de um livro…
Crónica publicada na edição 498 do Notícias de Coura, 25 de março de 2025
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