segunda-feira, 25 de novembro de 2024

América, Moçambique, Espanha e Portugal.

Já estava destinado que nesta crónica teria de escrever qualquer coisa sobre as eleições americanas. Não me apetece é ocupar tanto texto a falar de Donald Trump, afinal, tenho quatro anos pela frente para o fazer. Desta forma, vou acrescentar mais três países à crónica, infelizmente por maus motivos.

América: Eu sei que me refiro aos Estados Unidos da América, mas, América sempre me soou melhor, a terra das oportunidades, uma terra que ainda desejo conhecer e que, volta meia-volta, me faz sentir um estranho arrependimento, se voltasse a ter quinze ou dezasseis anos, estudaria de forma diferente para emigrar! Mas vamos lá às eleições! Donald Trump foi reeleito, e desta vez ganhou em toda a linha. Mesmo que não se goste, mesmo que se ache um retrocesso, os americanos escolheram, e eles é que tinham de o fazer. Acho um absurdo fazer-se uma sondagem na Europa e concluir que se fossem os europeus a votar, Donald Trump teria pouco mais de vinte por cento. Apesar de ser um sujeito que diz disparates completamente absurdos, é notável ser eleito pela segunda vez para Presidente. E agora? Irá a Ucrânia perder rapidamente a guerra? Irão as mulheres perder os direitos reprodutivos? Irão os estrangeiros ser todos deportados? Esperemos que corra bem, os americanos é que escolheram, mas todo o mundo vai sentir os efeitos.

Espanha: As cheias trouxeram a morte e a tragédia à região de Valência. Sabe-se agora que as mensagens de alerta foram enviadas tarde demais, quando muitos as receberam já estavam retidos pela subida das águas. Tudo foi trágico, imagens desesperantes e surpreendentes, daquelas que só estamos habituados a ver na América ou em África. Para mim, algo que me chocou foi a demora no envio da ajuda. Não é de estranhar que o povo se tenha revoltado contra os políticos e até contra a família real. Na noite em que estou a escrever esta crónica vejo que se prevê chuva muito forte para a região de Valência, chuva que chegará a Portugal dois ou três dias depois. Há dias vi na Internet uma imagem antiga da cidade de Valência, atualmente verifica-se que a cidade ocupou grande parte do que outrora era o rio. Lisboa fez o mesmo nos últimos cem anos. A capital portuguesa está condenada a uma tragédia, só não se sabe quando acontecerá.

Moçambique: Quase a completar cinquenta anos de independência, o país atravessa um dos piores momentos da sua história. Venâncio Mondlane, líder da oposição moçambicana, apela ao bloqueio do país reclamando vitória nas eleições. Os confrontos entre a polícia e a população já causaram vários mortos e feridos. Várias capitais de província estão a ferro e fogo. Sempre fui a favor da independência dos países e da sua autodeterminação, mas muitas das antigas colónias portuguesas nunca mais viveram tempos de paz depois da descolonização.

Portugal: Por cá, o que se passou nos últimos dias com a greve às horas extraordinárias dos serviços do INEM, é inqualificável. A não definição de serviços mínimos levou à morte de 11 pessoas. Não dá sequer para imaginar o desespero de alguém que liga para o INEM porque tem um familiar a morrer, e ninguém atende. E não dá para ter paciência com uma Ministra da Saúde que diz que não sabia do pré-aviso de greve ou que não esperava que tivesse tanta adesão. É mau demais. Obviamente que já se devia ter demitido. Para terminar, não posso deixar de escrever algumas linhas sobre Rúben Amorim. Vai-se embora aquele que foi o treinador mais correto e educado que por cá passou. Deixa o Sporting em 1.º lugar só com vitórias, deixa uma equipa aguerrida e com uma enorme vontade de vencer, que não acredito que vá deixar de ser campeã nacional. O clube e os adeptos despedem-se com lágrimas e com um obrigado merecido, um gesto tão bonito que só mesmo o Sporting seria capaz de ter.


Crónica publicada na edição 490 do Notícias de Coura, 19 de novembro de 2024



segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Fui ao teatro a sério

Este título é uma mera provocação! Antecipo-me desde já neste esclarecimento para poupar os leitores à indignação que decerto iriam sentir caso só no final da crónica viessem a perceber a minha ironia.

Em 2018, no 8.º Fitavale, esse maravilhoso festival itinerante de teatro de amadores do Vale do Minho, o +TAC (o meu Teatro Amador Courense), apresentou em Monção, no Cineteatro João Verde a peça “A Ratoeira” de Agatha Christie. Nesta peça de teatro uma forte tempestade de neve fecha numa pousada um grupo de suspeitos, o assassino está entre eles e só se descobre quem é no fim. O +TAC, fiel a uma série de caraterísticas “que só nós sabemos”, surpreende mais uma vez, não leva a peça até ao fim e deixa em suspense os espetadores! Afinal, quem é o assassino!? A mim, deixou-me na dúvida até agora. Nessa altura, a minha esposa gostou tanto do que viu que só descansou quando conseguiu comprar o livro (e não foi fácil encontrá-lo), e o leu. Nunca lhe perguntei o final. Volta meia-volta falávamos na Ratoeira, e ela dizia-me que gostava imenso de ver de novo a peça de teatro, afinal, é só a peça mais produzida e representada a nível mundial! Um dia destes, eis senão quando, vejo ou oiço a frase “A Ratoeira”, em exibição no Teatro da Malaposta. Não perdi tempo, tratei de reservar dois bilhetes, e não foram os vinte e cinco euros por pessoa que me fizeram sequer ponderar a decisão. (Acho que se contasse ao povo desta região que no Vale do Minho existe uma Companhia de Teatro Profissional, que há vinte anos leva o teatro às aldeias de forma gratuita, lhes chamariam loucos!)

E lá fomos na noite do último sábado ao teatro! Há coisas que são iguais em todo o lado, a animação e agitação do público na entrada, o silêncio que toma conta da sala quando as luzes se apagam, um ou dois espetadores que entram em cima da hora… e depois, quando se abrem as cortinas, consigo sentir aquilo em que o dinheiro consegue fazer a diferença! O cenário é maravilhoso, é de época, tudo é tão verdadeiro que parece que fizemos uma viagem no tempo e estamos mesmo em meados do século XX. Estranhamente, quando fiquei encantado com o cenário lembrei-me de quando em 2008 o TAC apresentou “Vinho, copos e milagres”, uma peça de Tânia Rico. O nosso cenário eram vinte ou trinta grades de cerveja e frisumo vazias, presas com braçadeiras, com elas fizemos um balcão, uma porta e uma bancada onde nos sentámos! “A necessidade aguça o engenho”, é uma das coisas que aprendi com o teatro. E nunca isso foi limitação para chegar ao fim das peças com o coração cheio e a alma a rebentar de emoção! Em palco é tudo mais ou menos igual, um ou outro pequeno atropelo nas falas, um ou outro tropeção nas palavras, iguais a nós, portanto. Diferente é apenas a presença em palco de Ruy de Carvalho, com 97 anos é o ator mais velho do mundo ainda em atividade. Quando a sua personagem entra pela primeira vezem palco, o público aplaude-o. É merecido, obviamente que também o fiz, foi mais uma novidade, até este dia só estava habituado a bater palmas no fim. Durante a peça ouve-se o público rir algumas vezes, se fosse pelo Minho decerto teria reconhecido as gargalhadas da Cátia Sousa, da Sofia Brito ou do Luís Filipe Silva, seria capaz de as reconhecer em qualquer parte do mundo.

No final, fecha-se a cortina e ouvem-se os aplausos, os atores vêm agradecer, o público levanta-se e continua a aplaudir até que, Ruy de Carvalho pede silêncio… agradece emocionado e tal como na primeira representação desta peça, em 1952 em Londres, pede ao público segredo: -“Não contem a ninguém quem é o assassino!”

Saí da sala feliz, fiquei a conhecer o final da história, vi ao vivo talvez o melhor ator da história em Portugal, e percebi que o teatro pode ser um negócio rentável e muito bonito. Faltou-me aquela parte final em saltava para o palco para dar os parabéns aos atores, aquela parte em que nos últimos anos lhes tenho dito que quando os vejo, sinto imensa vontade de lá estar. O teatro foi umas das melhores coisas que trouxe de Paredes de Coura, e será uma das coisas que certamente me fará voltar enquanto a vida o permitir. Alegro-me ao pensar que já não falta muito para o próximo Fitavale!

Crónica publicada na edição 489 do Notícias de Coura, 5 de novembro de 2024