segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Sem saldos nem promoções.

Quase dá vontade rir. Quase dá vontade de colocar um ponto de exclamação no final deste título, mas a situação é grave demais para tal. Quando este texto chegar às mãos dos leitores é provável que a situação pandémica em Portugal esteja bem pior. Escrevo-o uns minutos depois de ouvir o 1.º Ministro António Costa anunciar o ajuste de medidas neste segundo período de confinamento. Espremidas pouco acrescentam, muitos especialistas têm caraterizado as medidas como inadequadas e insuficientes, ainda no dia de hoje o Bastonário da ordem dos Médicos afirmou que “já passámos a linha vermelha”, exigindo um confinamento a sério. Embora o discurso seja de facto alarmista, o governo de António Costa parece ainda não ter percebido a gravidade da situação. A avaliar pelas medidas adicionais apresentadas hoje é o que parece, ou alguém acredita que vai ser a proibição da venda ao postigo e a proibição de campanhas de saldos e promoções, que vamos abrandar os contágios? Pior, ao limitar os horários de funcionamento de algumas lojas ao fim-de-semana só vai fazer com que haja concentração de pessoas no horário em que estão abertas, já assim foi no passado e houve quem alertasse para tal erro. São muitos os especialistas que defendem o encerramento das escolas, mas a teimosia do Senhor 1.º Ministro nesta matéria tem levado a melhor. Não acredito que o consiga fazer durante muito mais tempo, quando o fizer já vai ser tarde, aliás, já hoje começa a ser tarde para as centenas que não sobrevivem. O Senhor 1.º Ministro tem razão quando disse há dias que os números de casos de infeção nas escolas eram residuais, de facto eram, hoje já não são assim tão residuais, mas o que ele sabe mas não diz é a razão para tal: Nas escolas não há casos porque não há testes, se de um dia para o outro fosse testada toda a comunidade escolar, Portugal batia todos os recordes possíveis e imaginários de infeções por milhão de habitantes. Se calhar tem razão um aluno meu, brasileiro, que me diz: “Professor, as pessoas só ficam doentes porque vão no médico fazer exames!”

Nos últimos dias vimos Portugal chegar ao 1.º lugar mundial em número de infetados por milhão de habitantes, vimos uns milhares de portugueses a “fazer passeios higiénicos”, muitos deles sem máscara, ou a passear uma trela sem animal. Está mais do que visto que o povo perdeu o medo ao vírus, estranha altura esta para o fazer, agora que ele está a matar como nunca, numa altura em que os hospitais estão a rebentar pelas costuras, quando já se ouve dizer que os médicos têm de escolher entre quem vive e quem morre.

Em tempos de crise como os que vivemos ninguém deseja estar na pele de quem tem de tomar decisões, mas como já em tempos escrevi, os nossos governantes estão nos cargos por iniciativa própria, o povo confiou-lhes o voto, tem de lhes exigir responsabilidades e coragem política. Isto não vai lá com confinamentos a brincar ou com o “sobressalto cívico” que o senhor 1.º Ministro fala. Não adianta ir acrescentando limitações sobre limitações, sobretudo sobre alguns setores do comércio e dos serviços. Estes tempos exigem medidas corajosas, duras, e está na hora de serem duros com os infratores. Espero escrever a próxima crónica ainda com as escolas abertas, e com os números da pandemia a desmentirem tudo aquilo que agora escrevo. Não acredito que aconteça, mas espero.

Para terminar, um último desabafo. Ouve-se por aí que o governo não toma medidas corajosas porque estamos à porta das eleições presidenciais, e que medidas impopulares podiam provocar ainda mais abstenção. E nas atuais circunstâncias, a abstenção podia beneficiar um determinado candidato, perigoso. Desta vez não vou votar, não alterei a minha residência a tempo de o fazer, e por mais vontade que tenha de visitar Paredes de Coura, e tivesse nas eleições um motivo válido para me deslocar entre concelhos, nenhum dos candidatos me merece tamanho sacrifício. Já em tempos fiz 500 km num dia para votar em José Sócrates, e num outro, mais de 700 km para votar em Mário Soares. Sei que votar é um dever cívico, mas é também um direito. E portanto, vou exercer o meu direito de não o fazer.

Crónica publicada na edição 402 do Notícias de Coura, 26 de janeiro de 2021.



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