terça-feira, 30 de setembro de 2025

O Elevador sem glória.

Uma das mais emblemáticas atrações turísticas da cidade de Lisboa foi palco de uma tragédia. O Elevador da Glória soltou-se do cabo que o segurava e só parou quando embateu num prédio, morreram dezasseis pessoas. Que o problema foi do cabo deu logo para perceber, bastava ver as imagens dos técnicos que seguravam um cabo de aço completamente estilhaçado. Soube-se nos últimos dias que o atual cabo já não era totalmente em aço, mas tinha o interior em plástico. Apetecia-me escrever nesta crónica que não lembra a ninguém, nos dias de hoje, com tanta tecnologia à disposição e com sistemas de segurança tão avançados, ainda ter um sistema destes em funcionamento, ou seja, duas cabines presas por um cabo e que quando uma sobe a outra desce. Que coisa tão atrasada, pensei. Mas agora, sou quase obrigado a admitir que funcionava, e era seguro há mais de cem anos, ao que parece só falhou quando resolveram substituir o cabo por um mais barato, perdão, por um cabo mais leve. Imperdoável é mesmo assim saber-se que o travão operado pelo guarda-freios era meramente decorativo e nunca teria sido capaz de evitar a tragédia, ainda que o cabo fosse extremamente seguro, tinha de haver uma solução para se um dia ele falhasse.

Como em todas as tragédias, por mais respeito que os políticos tenham nas primeiras horas não conseguem por muito mais tempo deixar de aproveitar o momento para tirar dividendos políticos. Obviamente que iria ser pedida a demissão de Carlos Moedas e naturalmente que o caso iria ser comparado ao da demissão de Jorge Coelho. Nada que espante quem estiver atento ao que é a política atual. O que é certo é que passaram alguns dias, e já pouco se fala sobre o assunto, ele voltará ao debate na campanha das legislativas, as televisões voltarão a convidar para o debate os especialistas do costume quando for publicado o relatório oficial das causas do acidente e poderá ser o acontecimento que ditará a derrota nas eleições de Carlos Moedas. Daqui a algum tempo, a tragédia só será lembrada pelos familiares e amigos daqueles que perderam os seus entes queridos.

E porque não quero só falar do Elevador da Glória, eis que outro elevador me parece completamente descontrolado, embora este pareça que está a subir. O Chega aparece à frente numa das últimas sondagens publicadas. André Ventura parece descontrolado com tamanha boa notícia, parece que já nem dorme, deve trabalhar nas vinte e quatro do dia, e talvez outras tantas durante a noite! Fala sobre tudo e sobre nada, está em todo o lado, e prepara-se para ser de novo candidato à Presidência da República.

O Chega é André ventura, e a única forma do partido não ter uma votação triste e conseguir mobilizar os eleitores é ser Ventura o candidato. Obviamente que ele não quer ganhar, quer apenas ir à segunda volta para depois obrigar todos os outros a votar contra e vitimizar-se. Imaginem que na segunda volta tínhamos Ventura e Marques Mendes! Lá teria a esquerda de apelar ao voto no homem do PSD! E se fosse Ventura e Seguro? O PSD estaria em apuros, decerto iria dar liberdade de voto aos seus eleitores para não irritar Ventura. Se Ventura for à segunda volta com Gouveia e Melo, será a esquerda a colocar um militar em Belém. Avizinha-se um combate interessante, e mais uma vez a divisão de candidatos à esquerda pode ser decisiva, bem como a indecisão do PS em apoiar António José Seguro. Há quem diga que a melhor forma de acabar com o Chega é eleger Ventura para Presidente! Valerá a pena correr o risco!? Estarão os portugueses loucos a este ponto!? (Os brasileiros elegeram Bolsonaro, e os Americanos, Trump… duas vezes). Querer acabar com o Chega é uma maldade dizia há dias um humorista, “é que aquilo é uma fonte rica em piadas e patetices!” E agora, até o seu líder já não se fica só pelas mentiras como inventa coisas no mínimo absurdas e ridículas, aquela história do Presidente da República ir a um festival de hambúrgueres é do mais patético que já se ouviu. O pior, é que há povo que acredita e acha muito bem.

Num país assim, mais vale ir pela escada que apanhar o elevador.

Crónica publicada na edição 509 do Notícias de Coura, 23 de setembro de 2025





domingo, 14 de setembro de 2025

Parecemos um país do 3.º mundo.

Acabaram as férias. Para nós professores o trabalho começa a 1 de setembro, embora o povo pense que só vamos trabalhar quando as crianças vão para a escola. (E não escrevo “povo” com nenhum tipo de desconsideração, a minha própria mãe me perguntou o que vou fazer agora para a escola se as aulas só começam a meio de setembro!) Voltam as obrigações, levantar cedo para ir trabalhar, preparar aulas e trabalhos para as crianças, corrigir os mesmos, voltam as imensas reuniões de trabalho…. voltam as crónicas para o Notícias de Coura. Parece que estou chateado e por isso o título da crónica, mas não é verdade, já estava pronto há mais de um mês, já tinha os dois temas escolhidos, era só preciso aprofundá-los. Assim explicado até parece fácil.

Um dia destes, no Carregado, uma mãe entrou em trabalho de parto, o serviço SNS 24 aconselhou-a a dirigir-se ao hospital de carro, apesar de ser uma doente de risco. A demora foi tanta que a criança acabou por nascer na rua com a ajuda dos avós. A primeira ambulância que chegou tinha o pneu furado, depois lá foi chamada outra que serviu apenas para conduzir ao hospital a mãe e a criança recém-nascida. Apuradas as responsabilidades chegou-se à conclusão de que houve uma falha humana, o técnico do serviço telefónico foi o culpado. Felizmente correu tudo bem, caso tivesse corrido mal o responsável seria o trabalhador precário, provavelmente subcontratado e sem a formação adequada e que se exige para questões de saúde, questões de vida ou morte. A saúde é o que é em Portugal, tem profissionais excelentes, mas continua a não ter a necessária e merecida consideração que devia do governo, deste governo e de todos os que o antecederam. (Esta é a opinião que tenho daquilo que vou lendo e ouvindo, felizmente para mim, só tenho a dizer bem do serviço nacional de saúde, até agora. Espero nunca ter destes azares.)

Até ao dia 23 de agosto tinham ardido este ano em Portugal cerca de 250 mil hectares de terrenos, florestais e agrícolas. Pior, só no trágico ano de 2017. Infelizmente. Nada disto me admira. Se há coisa habitual no nosso país no verão são as festas populares e os incêndios. E é assim desde que me lembro, há vinte ou trinta anos que isto acontece, nuns anos mais, noutros anos menos, mas nunca os incêndios deixaram de ser uma das tragédias que afeta o nosso país no verão. O que me faz ficar perplexo é como é que países como Marrocos e a Grécia tem dezenas de aviões de combate aos fogos, e Portugal não tem nenhum. Parece que o Estado Português já comprou dois Canadair, um chega em 2029 e outro em 2030. Como é possível só agora se terem lembrado disto? Como é possível que ainda não tenham adaptado alguns aviões da força aérea para o combate aos fogos? Estarei eu a dizer alguma coisa tão inteligente e óbvia que ainda ninguém se tenha lembrado? Obviamente que não, os incêndios nunca irão acabar porque não interessa que acabem. Não estou a insinuar nada, mas o que seria da vida das empresas de aluguer de aviões de combate aos fogos, das empresas de venda e adaptação de carros de bombeiros, das empresas de venda de equipamento e ferramentas de combate aos fogos, e muitas outras? Seriam muitos negócios em crise, há anos e anos que a conversa é a mesma no final do verão e depois fica esquecida até à próxima época de incêndios.

Mesmo já não tendo espaço para os desenvolver, deixo aqui mais dois assuntos que podem vir a causar embaraços internacionais preocupantes. Marcelo Rebelo de Sousa voltou a vestir o fato de comentador e apelidou Trump de Ativo soviético, e Mariana Mortágua juntou-se a Greta Thunberg e vai a caminho de Gaza numa flotilha de ajuda humanitária. Israel prepara-se para deter todos os ativistas acusando-os de terrorismo. Obviamente que o título é exagerado, os verdadeiros países do 3.º mundo seriam muito felizes se os seus problemas fossem os nossos. Na verdade, nem se devem comparar os países, todos são diferentes, todos têm caraterísticas próprias, problemas específicos e histórias incomparáveis. Aquilo que temos obrigação é de olhar para o nosso país e ser capazes de ter consciência das falhas e das nossas limitações, e devemos combater a vergonha que sentimos com a força de exigir a quem nos governa uma mudança de atitude. O que me assusta, em Portugal, é as escolhas que ultimamente têm sido feitas.


Crónica publicada na edição 508 do Notícias de Coura, 8 de setembro de 2025